sábado, 2 de março de 2013

Minicontos




Som

Esquecera há quanto ocultara na falta de tempo as leveduras do pó e seus milhões de ouvidos. Abriu o compartimento de onde viriam as notas. Um clique. Debussy. Massenet. Guardava o som na memória que esquecia títulos, composições. Só a melodia a vagar o sentido que não oblitera. A leitura disforme e veloz como as mudanças tecnológicas. A fome por som continuaria somente até a segunda idéia navegar a distância da aproximação, portas presentes. Meditação para Thais e Clair de Lune. Viu partituras. Ouviu piano, violino. E segregou-se no retrato de um homem que possivelmente teria amado.



Em cruz ilhada

O palco era composto de quase nada. Dois bumbos, um violão, um
órgão eletrônico e um cantor. Nunca se soube a cor da face ou o contorno dos olhos da companheira que não o acompanhava – uma dócil utilidade afeita a jamais passar das frestas. Obra do cantor ou do conformismo de um destino, de cuja voz e sorriso pendiam seus cabelos desprotegidos, a sua boca delineada pelos murros da percussão. Enquanto a platéia, dividida e surda, aplaudia num quase silêncio a expressão mezzo-soprano, nascia mais uma heroína morta.


Ambição

O corredor da sala ficaria com o azul rosado, o quadro das embarcações. Para o quarto distante e agora mais feliz levaria as tulipas aquáticas que antes eram da sala. Na onda embranquecida pela violência do mar já se haviam dizimado os motivos do choro. O coro de lamentos sumira no lume da primeira embarcação – máscaras e caracóis vestidos na véspera. O vazio prenhe de elipses entre decisão e ardor, ascendia num horizonte lívido de silêncios sem voz. Quisera correr e agarrar-se aos remos com os braços fortes de outrora. Quisera haver ainda sais para remar a vontade de parar.

Opulência

Era uma mina de diamantes. Ganharia quem chegasse primeiro. A preciosidade pertence aos bem lapidados, e só lapida com perfeição quem ousa conhecer o ruído das coisas. Pedra a pedra fora buscada como se estivesse próxima. Daquele diamantário viria a lembrança tão árdua de guardar quanto era rija a certeza de ser um tesouro só seu. Tentou em vão atinar o caminho de volta para o rio. O de antes. O da inundação que espelhava dentro d’alma, continuamente, bruxuleando em aquiescências fugidias. Tão similar às jóias dormidas por fora da sua insônia – à fração de censura que se permitia.

Debrum

Revestia-se humílima no breu da razão onde esmigalhara vertigens irresolutas, esmiuçada no equilíbrio de uma desordem no fio dos lábios exultando um ontem mínimo e indispensável à perfeição do hoje, hígido, servil. Estremeceu a voz numa hiperbólica vigia “ah se não fosse se não viesse se parasse o que possui dores”. Via no branco espalmado apenas a liberdade feita de algemas. “E esse céu que se vai tecendo num fulcro de impossível”. A fadiga solúvel, uma fragrância irrecusável de alecrim e calêndulas – um gesto súdito a reveste derramando-lhe um cetim consútil – sua noite de pêssegos.

Eco lógico

O peso do elo pode não ser um pesadelo. Na urgência que tem para que o tempo demore já não demora nem retorna à raiz a árvore que cai – apenas o corte finge que o cinge quase esquecido do seu gosto de nozes. Como uma película de lagos entre os braços tinha para si a modorra que movia. Sequer existia. Rodava nas horas que imaginava. Ramagens. O cansaço não adormecia nem o dormir acordava. Uma angústia exausta não aceita ordens; quer exaurir e o faz tombando de forma macia, sem a tristeza de não dar arborescência ao próprio reflexo.

Açucena

Uma forma de driblar a solidão e derreter as coisas que fermentam, erroneamente refreadas – deixar um pensamento para depois é correr o risco de perde-lo – já não ousa correr riscos nem deixar de correr porque o tempo tem pressa. Aprende a falar sozinha para não desaprender a falar, perde o apetite na proporção que lhe cresce o pássaro do peito entre roupas sujas e ninhos limpos. Quer olhar coisas onde coisas não há para estreitar ...caça às escuras, entre simbioses e moedores de letras, algo que aproxime a distância entre os abraços. Do vôo suprimido de asas vê o vácuo, bebe o céu. Seu sim.

Sadhu

Ao optar por não-dizeres guardava surdamente a dor que os substituiria. A vibração foi demasiado contundente. O dia que se seguiu era como outro qualquer – caminhava entre nuvens, numa construção solitariamente muda, evitando o esquecimento escaldante que parecia querer queimar tudo o que estava vivo. Quis salvar os olhos. Há tempo as ruas não imitavam seus movimentos. Tudo vive, ainda que pereça. Como ontem. Quando mesmo entre um cárcere e outro, ao entender o sentido de ser só sem ser solitário, não deixou de escapulir, magnanimamente iluminado.


Oitenta-e-Oito

Do vôo entenderá quem não é alado? Magister dexit. Alimentava-se dos frutos desprezados pelas árvores. O número circunscrito nas asas brilhava mais quando pressentia a implacável caçada. O abdômen preso a um alfinete, as cores e a silhueta sem a vivaz perfeição de antes. Pensada inesgotável e sem memória a Diaetheria Clymena seria capaz de esquecer os que lhe haviam provocado a quase extinção em troca de haverem eternizado a forma com que os fez sentir – porque adorava a luz e jamais tinha certeza se testemunharia a próxima alvorada.


O Alienista

A perspicácia o faz ainda re-ver algumas provas. É agradável o deslindar dos pensamentos à sua frente. Fragilmente forte não reagiu quando bateu a chave com força e fez cair a porta. Talvez se assemelhasse àquela fechadura muda que lhe abriu o chão para vê-lo enrijecer o esquecimento de todas as coisas que por insegurança o fizeram útil. Um exclusivista ligou para ser ouvido. Quando quis fazer-se ouvir “só um minuto” não teve garras – seus ouvidos eram os erros da casa – os labirintos de Borges.


Ver-te Vertente

A página não é suficiente para que se firmem os olhares. Todos se fecham diante do sofrimento. Não entendo porque não possuo a mesma cegueira. Não sei onde sou eu nas coisas que não vêem. Para que presságio ou desentendimento irá essa compreensão que não sinto? Exerço uma nota de brilho. Nenhum papel. Cada partícula de mim se alimenta dessa possibilidade de sonhos, talvez soprados em realidades atemporais onde prevaleça algum retalho esmaecido e sem orgulho, quando serei o fragor composto por quem já ousou sem a consciência do medo.

O menor de todos

Eu visto outra pele sem ser a minha alma uma pele que visto. Não me escondo senão por uma timidez ou um desejo de ser o nome obtuso estreitando livremente a ameaça de mostrar-me. Como se nunca sucumbisse a luz errante da sombra. A confiança erra ao não ter compaixão. Vale a pena sonhar, me antever quase totalmente arrependida nessa terra estranha que se tornou a minha figura. Minhas fotografias são essas palavras, e algumas palavras são sapos. Não há sentidos feios, apenas almas. Não há palavras feias, apenas sentidos. Papel de bala.


Órion

A pretensa ilusão de que as coisas ao redor deixam ou continuam a existir, apesar de tudo, sobre tudo. Crer no espelho quanto é possível a crença em si mesmo – não é outra a imagem refletida – o cognitivo compele à saciedade, (ou pelo menos deveria), para melhorá-la, sem objetar modificá-la. Quanto há que acobertar ao testemunhar autor e obra não sendo senão outros, sós, ungidos para girar, deambulando entre um e outro floco visionário, presos ao mesmo cordão, desprendidos e naturais, mergulhando onde nenhum tesouro parece estar aguardando-os.


Mata

Num oceano de folhares o néctar vive com o trivial cerne da comoção. Quem nunca teve uma grande ferida para saciar? Toma a sua cicatriz aberta e desperta do que não é, em absoluto, um pesadelo, um caule impoluto. Uma foice cruza o último solstício tropeçando sem saber se ainda serve aos admiradores da resistência. "Melhor se não vivas" diria a teimosia peregrina ao luto das ramarias. Talvez um imbecil soubesse de matemática quanto sabe a sorte do semeador. “Não julgariam se me vivessem; sou uma eterna grade, herdeira sentenciada pela casca que me veste como quem despe”.


Enlace

Houve um estranho momento em que cheguei antes do nada. Era um perigoso fragor de manhãs de circuitos únicos, suavizados. O indelicado sabor da loucura ia-se distante. Sem deixar impressões ou memórias dúbias. Dobrei-me diante do luar que balbuciava distante enquanto tudo ali estava. Ou restava, em janelas obscuras e desregradas cortinas. Vi-me a balançar em pequenas redes de nuvens, claras como o sol. Surpreendi o poema a fazer-se rosto, dourado, irresignável. Mostrando-me onde residia o que faltava.


Pilha

Ando apática de sentimentos. Talvez porque experimento ser mais feliz do que sempre fui, mais inerte do que julgava. Não folhei o volume que menti que leria. Nem me interessei por quem o tivesse escrito. Perdi-me no seio das folhas dos filhos renegados. Óbolos recolhidos humildemente em seixos e areias antes mares com restolhos de ostras e mariscos. Madrepérolas inquisitivas se tornaram adornos no meu corpo esquivo. Minhas primaveras parecem pobres para resgatar o livro de névoa que voa lá fora. Então digo à velhice das horas diminutas salinas vindas de dentro, marés vertidas em silêncio.


Ductilidade

No meio do bosque, drusas e ametistas ainda se decidiam por derreter a escuridão. Como seus olhos de cristal quase verdes, quase mares. Comprou um anel de três pedras e o colocou no dedo médio. O seu vestido rodado marcado na cintura, decote discreto, da mesma cor de ágata. Dançou mil vezes no tapete das deusas, sequer sentia a leveza do corpo entregue à cegueira da música. A vertigem do desejo caia-lhe do rosto. Não erradicaria sua herança de pedras. Devolveu um sorriso sem cumplicidade ou promessas. Não gostava dos ocasos cor de areia.


Alvo

Teve certeza que o egoísmo – sentimento tão absurdo e horrendo – poderia vingar-lhe sobrevivência. Relutou. “Vou pensar em mim”. O inferno são os outros – esquecera, é mais fácil lembrar do sentido do que do autor que o desencadeou – Sartre teve a felicidade de aguçar em três palavras uma grande verdade humana. Talvez um livro secreto o tivesse incumbido dessa fagulha de eternidade da qual não havia como não concordar, exceto pela ínfima razão de que o céu existe porque o inferno existe. O que cabia, talvez fosse aferir com terrível exatidão o caminho do meio sem ser um Einstein ou um Da Vinci.


Dom

Hoje o normal virou-se e disse um olá. Na contramão o inconfesso quis aproximar-se e temperar o sortilégio mental da sua preguiça. Soube apenas do portão aberto ao toque inseguro, agilmente determinado. Ao chegar não perscrutou perguntas, preocupações ou suspeitas. Depois da pausa o recomeço; é assim sempre, ou quase sempre. De definitivo só o presente com o que há de definitivo. Interrompe o silêncio que agora se instala para outra pausa igualmente silenciosa. A beleza inaugura o que a contempla como um menino recém acordado. Deixa-se ficar – em nome da arte quanto em nome de Deus.


Minicontos do livro "Entre as Águas" 2011 by Tere Tavares
Desenho "m-eus outros" grafite e nanquim by Tere Tavares
Publicados também em julho/2013: http://diversosafins.com.br/?p=5151
Publicados também em setembro 2013http://www.germinaliteratura.com.br/2013/tere_tavares.htm

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Poemas




I

Entardecer na cobertura 

para ariel tavares 

o vento sopra nas coroas das palmeiras
o sal do mar se infiltra em todos os lugares
da pele à raiz dos cabelos
a noite diz boa noite mas não promete ser boa
haverá ressaca e a maré alta trará consigo
tudo o que puder arrebanhar
o braço da maré não é feito de moliços
nem de ossos
é feito da força líquida e invencível das gotas

o vento alucinante prospera
e a lua sopra suas mantas prateadas
então sobre as areias antes brancas
há manchas
nuanças de breu

daqui de cima não vejo tudo
embora escute o que imagino
o que me diz esse eu
desdizente 
para ti, minha bela flor de caracóis,
sob o teu regaço de moça
o sargaço dessa mãe
extrema e nunca ausente
que te sente
porque te ama. 

II

Marejar

meu sentir é mais ligeiro a cada manhã
e essa copa de araucária quase entristecida
onde o vento pousa a alegria de sua velocidade
implacável
eu de pouca altura e pouco peso
coaduno-me em luzeiros obscuros
cinzelados de mar e suor
a forma do ar que me suporta
e desenferruja a madeira que se perfila em minha alma
o espinhoso dorso que fui para alguém 
que alguém foi-me
numa nostalgia sem eco
o temor do amortecimento da luz
enganando o que anseio
insinuando tentações que já não alcanço e quero
um esgar úmido e parco e inquisitivo
como sabiá à esquerda do improviso
o quinhão que me não quer
o coração impreciso
de cujo olhar me perco.

III

Há mar 

que sabor tem o verso 
que aporta entre ondas e espumas, 
o novo não teria mansidões e areias, 
motivos para instar turbulências e brumas, 
algumas oceanando mansas 
outras irresolutas e afoitas, 
onde te cansas, 
quando há portas sem qualquer perspectiva, 
insuspeitamente, feito música, 
entre o que muda e o que emudece, 
sobrarão as palavras 
que suportas.

IV

O ninar dos olhos

nobremente argutos
sem a ignomínia das palavras
ou quaisquer outros tolos orgulhos
só fazem proferir luzes

senão assim
preferem ser como as pérolas
e as marés

alguém maior os coroará
no altar-mor
e se ajoelhará diante deles
o que duvida
de suas sinceridades límpidas

quando e se souber 
será depois que eles souberam 

mesmo cerrados dirão 
além do que fingem não olhar 

sedas, retinas, pétalas e cílios 
...ondas e arco-íris.

V

Pássaros de Abril

perambulando entre as vozes sem nome 
ásperos como o desespero 
cheirando a sal e uma branca flor-de-lis 
com a preocupação de irem-se 
num vôo feliz 
aguardam as brisas breves do outono 
– eterno é o movimento – algo do parvo ninho. 
do céu, invejados pelas nuvens, 
lançam ao mar as doces lanças de giz.

VI

Um só

uma rosa sobre os muros 
esmorecidos 
uma coisa visível está arruinando o mundo, 
ou a entropia o está concertando, 
como uma sinfonia desleal que declara, 
erramos, 
errantes filhos de uma Terra insatisfeita, 
empobrecida pela prole, 
cujos mármores despem a sombra 
e não resiste 
aos tremores que a música denota, 
deixa, na gravitação da eternidade. 
e os cântaros recolhem 
as primeiras lágrimas do sol. 

(Foto e poemas by Tere Tavares)

Poemas publicados na antologia Saciedade dos Poetas Vivos Digital - Vol 11
Blocos On Line
http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/obrasdigitais/saciedigpv/11/tere01.php

sábado, 2 de fevereiro de 2013

inocência de um pássaro


inocência de um pássaro

os meus olhos remotos
regressam
às cercanias solares
é do sol 
é o sol
que lapida 
a ida 
a arrogância da rota
é assim que as garras
salivam nas escarpas

/eu ainda desconhecia a ausência do ar/

é o lamento nunca definitivo 
do solo
solitário
que abana o eco do bico
o mistério da floresta em que me abstenho
porque tenho asas e lodo.



Foto By Tere Tavares

domingo, 27 de janeiro de 2013

Indivíduo

Indivíduo
 
Explora a estação de trens numa ponta ambulante feita de memórias durante os anos menos escuros e mais comoventes – uma vida alheia sem ser aleatória – resgata as comunicações do silêncio e do naufrágio a água do ímpeto.
 
Tomado por uma introspecção retrospectiva, procura explicações para a arquitetura dos capitais – não dos pecados, nem das faltas, nem das expiações. Coleta pesquisas de outros materiais que por ventura o ajudem a perguntar menos das suas andanças. Subitamente expulso do próprio âmago vê-se a navegar num pós-guerra.
 
Histórias comoventes, verdadeiras e inventadas, convertem-no numa cifra sem fixação, batalha napoleônica que lhe dá ordem às catástrofes já convertidas em vida - a odisséia de alguém que renegou a negação. De um fôlego. Sôfrego.

Foto- Tere Tavares

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Beleza: guia de procissão


Beleza: guia de procissão

Estás só e isso te enjoa
Porque tua recompensa é uma entranha
Que engana a gema da tua vaidade
Queres a prole e tens a gana
Sabes do pó? Da partícula? Do neutrino?
Tantas mentiras sem necessidade
Dintéis por levantar
"A felicidade é uma recompensa para quem não a procura"
Segredou-me Tchekhov
A tua lavra te verga
Rejeitas o que te perfuma
Sabes das pétalas? Do quanto elas são honestas?
Fala da flor, do lodo que sustenta a Lótus.
Please! Fala do não dito e cala.

Here too: http://esteeodardo.blogspot.com.br/2012/10/beleza-guia-de-procissao-estas-so-e.html

domingo, 30 de setembro de 2012

do arco ao círculo

 

Do arco a círculo 
a nudez das palavras
a dança do silêncio
o desfolhar dos olhos
o cio mudo dos cílios
o sol a soltar-se entre os lábios 
na transparência das libélulas
a mira eufórica das bétulas.

 
http://esteeodardo.blogspot.com.br/2012/09/do-arco-ao-circulo.html 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Suminha


Dos degraus junto à calçada prorrompiam papéis e folhas varridos pelas lufadas de ar, prenunciado a torrente que se aproximava. Sob a leveza das malhas de algodão aguardava os pingos da chuva que lentamente lhe umedeciam a pele, o fôlego palpitante, apoiado por uma hachura decidida.
Caminhou ondulando as pernas, apreciando o tremular das gotas como um afago de nanquim que lhe retirava as ardências do dia.

Largou os sapatos encharcados junto ao chão luzidio da casa – a janela debatendo-se contra o vento numa cantoria estridente. As paredes lhe ampararam o cansaço. Via-se no debrum da água que a banhara como se só naquele instante realmente valesse a pena desvelar-se.

Os livros que carregava no colo amaciaram a mesa e as transparências da sala. Largou-os como quem liberta retratos de outrora, recolocando-os novamente no olhar. Quase perscrutava com exatidão pueril o chilreio das folhas semi-abertas, devorando as capas, os desenhos das capas, tateando: até onde tudo era somente o mosto de histórias, sons desertos, cores aninhadas em outras cores, águas dentro de outras águas?

Buscava rapidamente o ar mais puro e perfeito, como quem se dispõem a arrefecer o frio, a alma disposta sem repressões nos vãos da natureza. O barulho da enxurrada preenchia as fendas rudes da casa, o telhado ensurdecia-se dos pingos desfeitos na cerâmica. Viu-se no desassossego das ações mais simplórias. A louça do dia anterior ainda rescendia à canela e erva-doce. Quantas vezes tomara o chá desanuviada de afazeres para melhor prender-lhe o sabor? Não tinha dúvidas de que se filiaria algum dia, com tempo, ao movimento slow. Pensava enquanto o vapor do chá se misturava à poeira da chuva.

Lá fora para onde resolvera retornar, as flores permaneciam no seu crescimento inevitável. A legitimidade de estar conspirando para além da linguagem lhe parecia a incompreensão de assumir detalhes, a desistência decidindo por uma oposta intimidade apaixonando-se por silhuetas abstratas como se soubesse que, ao flanar sobre as coisas importantes, passassem, essas mesmas coisas a não ter mais lugar algum no mesmo e luminoso mundo que as pensara.  No incomum, talvez mais oportuno e incômodo, longe de superlativos ou relativismos, a lucidez de argüir sobre o que é grandioso ou necessário nasceria invariavelmente da suspeita de não chegar a nada sem a via crucial dos sentimentos.

As pétalas palmilhavam-se de um amarelo descrente, olhava-as, em tintas musicais – colheu várias, sentiu-lhes a seda, como se pedisse desculpas por não considerar-se uma delas.

Pinças de brisa se estendiam na claridade morna, retorcendo-lhe a curiosidade.  Com alívio, retornou para dentro da casa. Amaciando-se na umidade da aragem, desfazendo-se sobre lençóis e travesseiros rebordados de um cetim confuso porque de letras brancas que sobre o negro cansava-lhe o fundo mar dos olhos.

Pensava como se sonhasse... e escolhia retornar à beira do areal, ao menos até o verão retornar, a pele sugada por um farfalhar de asas, em movimento de abraços...bastava-se num colar de ametista, afoita, sulcada pelo que se fora,  quiçá em ramas de mangues, de uma garça que vigiava –  o vento ruminante torcia as gaivotas, tomava notas ao secar-lhe os olhos suspeitando que a sensibilidade das retinas desse em algo possível de prodigalizar.  Adiava as ondas enquanto ganhava novos óculos escuros, as têmporas renovadas pelos filtros duros de lume, da brandura árida que não mais lhe provocava lágrimas. Como se assim pudesse evitá-las.

No lado mais despido da praia o bailado das dunas era um dueto a agigantar-lhe os cílios no rumor sonoro e miúdo do algaço. A vida era real como o vento que soprava a memória dos sais retidos de Suminha. De outro ponto os cardumes contrariavam a correnteza e as redes como se fossem seus olhos multiplicados em cepas e borbulhas, em busca de fertilização.

As mãos restavam finas produzindo fogueiras sobre o mar – repletas de matizes azuis e verdes, a rebuscar a serenidade líquida transportando-a, imensurável, para uma tela qualquer, sem importar-se se alguém diria que era um auto-retrato, um resto obscuro retirado da coloração irresistível dos corais.

Os dedos ágeis como o choro contido nas achas por arder, perfuravam o silêncio, prosseguiam nos mimos hirtos do horizonte, bebia do sargaço, do sumo esgarçado nas bordas dos barcos que mascavam a madeira carcomida pelas cordas da âncora. “Sobe um pouco mais Suminha, preenche o ato duplo dos gestos com o teu verde pueril – há ornamentos suficientes para estilhaçares condições que por um descuido fútil do destino não mais te pertencem. O tato Suminha”.

Retomou os despojos. Alguma coisa sobrara dos rabiscos que ousaram ferir a brancura daquele dia, das polifonias daquele vento, daquele sal, se a preenchessem de mais cor, de mais força – o que havia perdido permanecia em origamis devorados por fungos de esperança – quantos pronunciavam que a experiência não se media entre os dedos, entre o passado e o futuro, tampouco em entretantos.

Suminha do desacato chamuscava os feitiços luminosos, não suportava a idéia de submeter-se por mais tempo ao torpor. “Que cores acordam-te mais a música por dentro Suminha? Assim, na umidade? Que rio te quer decantar esse azul-vermelho-débil-verde”. Dá voos aos beijos azuis, lava a lama das asas, o corpo fenece, lúbrico, como se moldado pelas águas que lhe caíram do céu, na face, na secura febril dos olhos, o azul fiel lhe dá guarida.

A xícara de chá é óleo, medium, piano, tecido. Agora sentia o sabor, controlava as gotas, recriando-se, diluída do silêncio, na leveza de esvaziar-se no que lhe agradava. O peso leve da louça era igual ao da vida, da sua vontade que enfeitara feito Penélope cega, partituras dispostas num circuito infalível... a limpidez dos nadas que carregava como adornos. Dos engenhos orquestrados, das teclas, das paletas. Demais o que desconhecia, era desnecessário dispor ...os azuis salpicavam-lhe os cabelos, como pincéis de outono musicando-lhe o que, independente de solicitações, concebera para o mundo – Suminha é a multiplicação assídua dos sons suspensos na memória, na umidade lídima de cada segundo que ensaia abrir-se no horizonte.

Conto do livro "Entre as Águas" publicado no Portal Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=5484
http://diversosafins.com.br/?p=2957
Imagem: Renoir - Mar


domingo, 19 de agosto de 2012

Ipês de uma rua desabrigada

Queria celebrar as flores
Cumuladas de ternura forrando o chão.
Abriram-se as pedras nos confins marrons
Para derramarem pequenos sóis
No caminho das mãos.
Passai pelas complacências do meio.
Do retorno do que não há.
Um pouco de terra e ar do ontem que invade
A infinitude de saber-se finito e odiar essa verdade.

Texto e Foto By Tere Tavares

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Enchentes



Enchentes

As poças tranqüilas da calçada espelham o remanso cioso da recente chuva.
Minha imagem se acalma por entre as neblinas. E se encolhem resquícios de uma precoce primavera. Setembro vem com gosto de agosto. E uma flor na coloração de uma rua escura de pessoas escuras de noites escuras.

Uma rua que das flores seria derme da flor não foi o derramado pólen
e disso se ria mais que uma dor atéia que tateia e, 
se preciso,
tatua inteira meia lua cheia.

Foto e texto by Tere Tavares

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Contologia e Poematologia- Portal Cronópios e Arraia Pajéur BR 4

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=5441

Editor: Carlos Emílio C. Lima

Organização das antologias: Carlos Emílio C. Lima, Cláudio Portella e Pipol.

Projeto gráfico: Augusto Oliviera e Carlos Emílio C. Lima.

1) Veja a lista completa dos ficcionistas de todo o país incluídos na Contologia Portal Cronópios/Arraia PajéurBR:
TERE TAVARES, MAURO PAZ, VALTER FERRAZ,VERA HELENA ROSSI, RAFAEL SPERLING, ELEONORA DUCERISIER, PEDRO COSTA REIS, JOSÉ ANTÔNIO CAVALCANTI, MÁRCIA BARBIERI, LEANDRO MAYFAIR, LETÍCIA PALMEIRA, WILAME PRADO, FILIPE JARDIM,WALDEMIR MARQUES, EMÍLIA BARBÉS, UDO ...BAINGO, AFONSO JUNIOR FERREIRA DE LIMA, ALEX SENS FUZIY, DOUGLAS EVANGELISTA, ALEKSANDRO COSTA, DANIEL LOPES, LARISSA MARQUES, AMANDA VOX, CAMILA FORTUNATO, LUAN MAITAN, IVAN GUARDIA, WALTER SOLON, IGOR FARIAS, DANIEL MATOS, TAMARA COSTA, MIRTES LEAL, ÁLVARO DIAS CUBA, RONIE VON ROSA MARTINS, AIRTON UCHOA NETO, NINA RIZZI, JULIANA FRANK, ANDRÉIA DONADON LEAL, SUELI MAIA, MILENA MARTINS, PAULO MOHYLOVSKI, HUGO CREMA, EDUARDO SABINO, TIAGO BASÍLIO DONOSO, POTYGUARA ALENCAR, ANTÔNIO ALVES JUNIOR, GUILHERME COBELO, EDUARDO SIGRIST, MARCIO G. PERFETTO, JANA LAUXEN, BRUNA G. GALVÃO, SHEYLA SMANIOTO MACEDO, ADRIANO DO VALE, PEDRO COSTA, DANIEL FERREIRA, LUCINEIDE SOUTO, JONATAN DOLL, EDUARDO ESCARPINELI, GLAUCO LEANDRO, EDSON COELHO.

2) Veja a lista completa dos poetas de todo o país incluídos na Poemantologia Portal Cronópios/Arraia PajéurBR:
BRUNO MOREIRA, EUNICE BOREAL, TOMAZ AMORIM IZABEL, ANDERSON PETRONI, MARCOS VINICIUS ALMEIDA, RENATA DE ANDRADE, ÂNGELA CASTELO BRANCO, NATHALIA RECH, OTAVIO RANZANI, ERYCK MAGALHÃES, VANESSA CAMPOS ROCHA, MÁRCIO ARAUJO, JOÃO NICODEMOS, NYDIA BONETTI, CLARICE LINDEN, WENDER MONTENEGRO, RAPHAEL BARROS ALVES, EMANUEL RÉGIS, ATHOS GUIOU, TALLES MACHADO HORTA, LUCAS DOS PASSOS, MARCELI ANDRESA BECKER, MARCELO DONATTI, FLÁVIA IRIARTE, CAROLINA CAETANO, WILSON TORRES NANINI, CHICO PASCOAL, GABRIELA MARCONDES, ISAÍAS FARIA, DARLAN M.CUNHA, GERSON CHAGAS, GRUPO POENOCINE: ARIANE ALVES DOS SANTOS, JONAS PEREIRA SANTOS, LUIS FELIPE DE LUCENA JUNIOR, MICHELL FERREIRA, PAULO SPOSATI ORTIZ E SIMONE SPILLBORGHS; MURYEL DE ZOPPA, ANA F., LÉO MACKELLENE, IVALDO RIBEIRO FILHO, DEMETRIOS GALVÃO, YLO BARROSO, MARCELO BITTENCOURT, RODRIGO VARGAS, REINALDO PIMENTA, CHICO SOMBRA, LUIZ VALADARES, KILITO TRINDADE, RENATA FLÁVIA, TITO DE ANDRÉA, CARLOS ALBERTO, TIAGO ALVES, ALUÍSIO MARTINS, AUGUSTO DE GUIMARAENS CAVALCANTI.

Leia o prefácio das antologias que vem assinado pelos escritores Carlos Emilio C.Lima, Claudio Portella, editores da revista Arraia Pajéur BR e pelo poeta Pipol, editor do portal Cronópios:

A REGIÃO SIMULTÂNEA

São cerca de cem autores pra lá de revolucionários e inovadores que participam dessas antologias. Estamos com um imaterial literário e ímã poético digno e maravilhoso nas mãos, quase inigualável, sem nenhuma dúvida só comparável ao que se fez e escreveu no momento pré-modernista que precedeu e se instalou naquele faixa de tempo que ressoou entre a Padaria Espiritual do Ceará brasileiro no final do século XIX e a paulista e também brasileira Semana de Arte Moderna do ano 22 do século XX passado. É o expresso 2222 da Central do Brasil que partiu direto para depois do ano 2000 que chegou agora mesmo em 2012 aqui apitando suas mensagens de uma grande colheita de novas imagens nunca vistas antes... Seus passageiros alucinados, todos esses escritores e poetas, viram coisas que jamais ninguém havia visto, acessaram das janelas loucas do trem de éter em que viajaram paisagens que ninguém antes avistara, realizaram uma viagem que ninguém havia feito antes, foram a lugares estranhos, que ninguém também havia descrito dessa revoltada maneira, eles trazem os recolhos e as lembranças futuras do que ainda não vimos, sentimos, percebemos, captamos, do que ainda vamos ver, do que agora vamos ler. Trouxeram, aos que vamos ler agora no papel impresso das arraias tremulantes, estão trazendo, as impressões e as expressões de uma viagem além dos territórios conhecidos. E falam uma linguagem escrita de um povo profundo, meio aérea submarino enigmática que aprenderam poderosamentedurante o percurso de cartografias exuberantes. Beberam de tudo e buscaram em todos os meios e mídias e todas as linguagens das artes e das ciências uma síntese renascente, um viés. Esses textos são o veículo expressivo 2222 que há muito pressentíamos. A acrescentada lágrima humana de alegria do sol. Nos trilhos moventes infalíveis da poesia ele chegou, esse novo tipo de trem, suspenso, multidimensional, com olhos calmos de furacão, azeitado de luzes eletrônicas da natureza (foi a natureza que criou a eletrônica através do homem) e cibernético de almas, ruflando sonidos de dançarinos sentidos, apitando os novos céus, emitindo as outríssimas formas com os seus faróis de juventude estelar. Luz verde estremecendo as mentes para ajustamentos a novas significações de modos de dizer, de escrever, cantar e narrar. Novos gêneros literários aqui foram criados. Galáticos-arbóreos. Nada obedece a qualquer padrão anterior, na maioria desses textos. Esse fluxo, essa potência, essa força poética que aqui vai se avolumando nestes livros triangulares e giratórios nos faz navegar por mundos bem mais que inesperados . Não é uma brincadeira. Vão se abrindo eclusas de um outro tipo de tempo além do quântico, de uma nova linguagem poético-narrativa com o lançamento destes livros junto com a nossa cósmica pandorga Arraia PajéurBR 4 em conjunção cronopiana. Lemos todo o material das antologias com a mais surpreendida atenção e só podemos comunicar aqui a todos vocês o nosso deslumbramento, o nosso espanto total pelo encontro do completamente inédito, jovem, florescente, do irradiar do anteriormente inimaginável, daquilo que ainda não existia de modo algum no horizonte do imaginário habitual a que estávamos acostumados a lidar num antigo mundo cerceado, cercado, azedado e domesticado, manipulado por grupos,esqueminhas, falsas elites literárias, linguagenzinhas da moda, grupinhos étnicos exclusivistas, modismos filosóficos, tendências estéticas impingidas pelos rebeldes anexos do sistema e baixos interesses, através de uma mídia esclerosada, mercantil autoritária e parcial por sua própria natureza, em sua maioria, com, obviamente, as afáveis exceções de praxe, representante de poucas pessoas, entidades e corporações de nenhum modo interessadas no coletivo e no verdadeiro imaginário. O que estávamos antigamente, anteriormente acostumados a ler na maioria dos textos, contos e poemas e nas antologias até bem recentes da literatura dita brasileira já não se propaga nestes livros de nossa revista asa delta, vela marinha de pássaro da imaginação. O novíssimo desconhecido surgiu agora aqui mesmo, pulsa, emite e está emanando neste portal. E tudo por causa da internet, este trabalho de Cronópios e de alguns outros poucos sites e portais literários congêneres deste o início do século. Não sabemos ainda porque nenhum crítico literário se debruçou até agora sobre esse material riquíssimo publicado no portal literário Cronópios, a região multisimultânea de toda uma época da literatura nacional. Por esse motivo essas quase antiantologias agora afloraram no papel, chegaram ao tato das mentes e mãos dos leitores deste país.Cronópios é o portal cultural que tem mais trabalhado e construído nestes anos recentes as flechas dos sentidos de uma real difusão, desdobrando diariamente há anos o mais célere e completo panorama literário contemporâneo, este tesouro que a velha mídia oprimia com seus renitentes cardeais, tornava invisível, tentava de todos os modos sufocar, esmorecer, enterrar, literalmente. E ainda tenta e retenta. E muitas das paquidérmicas editoras antinacionais evitam publicar. Estas antologias vão mudar o eixo da literatura brasileira.
Foi o Cronópios, de fato, o portal que rompeu, neste oito anos desde sua fundação, o bloqueio editorial e midiático que se fazia ao verdadeiro imaginário deste país, ao coração amoroso infinito do povo brasileiro. Este mesmo povo que ainda vai surpreender o mundo. Esse papel (eletrônico e anímico) desempenhado por Cronópios e MnemoZine, revista que lhe é agregada, já é bem reconhecido. Isso já se inscreveu nos pixels da história da cultura brasileira, de um modo indelével, marcante. Faltava, somente, a publicação desses livros, talvez os primeiros livros triangulares do mundo (e se não forem, serão) que a ArraiaPajéurBR agora transporta e distribui. Faltava o selo, a materialização impressa, bela, do projeto, a união dos esforços de todos em uns livros mais do que concretos.
Estes livros triangulares giratórios rompem, finalmente, com sua força inovadora, o bloqueio editorial, cultural e mental que oprimia a literatura brasileira nesses trinta anos de reinado estéril e brutal do neoliberalismo e da manipulação midiática que asfixiava a imaginação do país a níveis mesmo insuportáveis. Que a gráfica poesia que esta revista e seus livros triangulares giratórios emanam esteja à altura do material imaterial, intrinsecamente espiritual que transportam: a nova literatura brasileira que com seus novos flexos e nexos reencantará o mundo, trazendo-o de volta a si mesmo. FRISSON NOUVEAU! Há um valor criativo ascensional nesse momento mágico. As comportas musicais de energia cósmica da imaginação literária foram reabertas por todos estes autores com suas linguagens inesperadas, seus dizeres imprevisíveis e renexos belamente enigmáticos do que ainda não pode ser configurado porque é a surpresa de inusitadas dimensões. A outra forma da Lua mostrou-se! Extraordinários aportes de uma poética renovante que vem flutuado no bojo emplumado do século XXI. Réstias de horizonte regraduando-se de outras escalas mentais abrindo suas pálpebras... luminascentes... Não se trata apenas de uma nova geração, mas de uma nova geração de linguagem que faz pousar um outro espírito distanciando-se criativamente de toda uma época que morre, que já vai pós-tarde. Uma nova linguagem, a internet, só teria que revolucionar a linguagem literária. O maneirismo pós-modernista foi abandonado para sempre.
Certas características ,traços, evidências saltam aos olhos dos olhos na maioria desses textos que não são contos, não pertencem a uma etiologia da forma tradicional requerida pelo conto.Mas como Mário de Andrade, parodiando mediunicamente a Duchamp disse que conto era tudo aquilo que o autor quisesse chamar de conto, podemos dizer que aqui nesses livros triangulares todos os novos gêneros já foram gerados e que nada aqui é mais conto, nem capítulo de romance, lista poemática, poema em prosa, proesia, fricção de ficções, bula poética , roteiro onírico de cinema para a mente, mesclas, escrita-viagem. Os velhos gêneros evaporaram.
Se alguns autores narratizam a historia de iluminação , o atingimento da córnea universal, da mente espacial simultânea coletiva , vai-se evidenciando pelas frestas das frases desses textos e poemas que ela chegou ,multiaplicada, nos autores aqui reunidíssimos
E os títulos, são poemas por si só, nem precisam ser outra coisa que não títulos, de uma vez. Mas os autores são vorazes em suas miltiplicidades. Todo mundo jardina em muitos territórios aqui, faz muitas coisas, pós- fotografia, musicapaisagem, teatro para içar o fundo do mar , dança pós-quântica, fiosolfias, ninguém fica parado estatelado numa atividade só, nesse ponto todo mundo aqui é renascentista, mexe com ciências, artes, esportes metafisicos,mexe com tudo se interessa; e por causa disso, porque é hábil em muitas linguagens faz profundas reformas na arte de narrar e na arte da poesia... Um tecido de fios de horizontes são estes textecidos.São textos que vieram do futuro mas aí a turma que viajou no tempo cuja máquina fofa é a literatura resolveu fazê-los aqui neste presente até pra picotar, espantar de um jeito tao a realidade velha antiga que estava ficando chatíssima de tão pós-moderna. MUDARAM TUDO.
E quando há histórias elas aqui retornam com um fantástico com mais ambiguidades, ambivalências. O pessoal estribilha os contares, faz grande painéis pintados na forma das letras de música fotograda como se do alto , imensas canções escultoras escritasdramatizadasfilmadas em grandes espaços letrados pela mente câmera clara em prosa mergulhada ascencionada. O povo brasileiro assoprou fundo aqui no material: as vogais fluem, libertas, as consoantes levitam, as vírgulas se dissolvem, dissipadas voam das frases, chega um vento claro do horizonte-fronte, frases poéticas sincopadas, meio cantadas, cromatismo rítmico .Desengachou ,soltou-se ,subiu a pipa, a arraia da escrita leve. O antigo muito pesado ficou lá no chão, algo estalou inesperadamente fora das mãos. Agora muitíssima poesia passeia, nunca mais é prosa seca. O pessoal aprendeu com o mar, com as chuvas, as enchentes, os relâmpagos eletrônicos, as grandes marés urbanas das cidades desiguais.
Todo mundo aqui, a maioria, saiu da mesmice, de um falso círculo mágico realista que parecia obrigar a uma linguagem sem poesia quando o assunto se imantava “real”. Estampejam desamarrados dos textos-moldes antigos, das prevaricações de um falso realismo urbano , esses textos viajam levissismos, às vezes faltam uns artigos definidos, um advérbio risca a página, estranha, não desgruda mesmo da frase. Não importa. Se. Ele é, cintila bem assim .O céu alaranjado –amarelo dos alquimistas taoístas foi previsto à caminho em muitas dessas frases aqui, destes poemas. O realismo disse adeus aos véus, dissolveu-se em retorções geladas, esfarinhando-se numas, em vertentes flexíveis inovantes, nessas sintaxes mutantes,” suja de cidades”. ”Cada um no seu século ; o palavreado muda”
A antíteses, os paradoxos, os oxímoros, os estribilhos-pontes, agora estribrilhos, as repetições até à lua, as cadências, a musicastralidade das frases já é um alento ao realismo transcendental dos textos, palavras escritas numas sintaxes tremuladas demais por milhões de influências de todos os tempos e de todas as direções, novas gírias, expressões recém-saídas dos princípios ainda nem acontecidos.
E todos os começos são incríveis, nenhum autor começa igual ao outro, gente que mergulhou emcinemamusicateatroliteraturaartesplasticasfilosofiafotografiafisicaastronomiaoceanografiatempestades e saiu com os olhos alterados de dentro de tudo isso, gente bem humana, com seus contos pós-vocais e poemas pós-mentais.
A maioria desses escritores já teria desistido, em uma outra época , aos primeiros esboços de recusas das editoras do velho tempo pré-web. Há muita e lindíssima coisa boa aqui que não teria tido vazão, acaso ainda mandassem no espaço cultural da literatura as editoras tradicionais de papel. Graças ao Portal Cronópios não foi assim, não ficou assim. Essas antologias são a prova disso. Quase todos os autores, poetas eficcionistas, nesses livros triangulares são muito jovens e porque fazem e conhecem de tudo como mestres de uma movíssima, novissima e vivíssima contemporânea Renascença, um lirismo inédito aguaceia por aqui. O pessoal voltou a poetar com invenção. Mediunizou-se de novo. Só vai entender bem o que fez daqui a cinquenta anos, se.
Um Remodernismo na poesia, porque novas formas de poetar são aqui inventadas, ecos de outras não-métricas reboam nas superfícies de telas mui apuradas de tão novos modos de sentir. Estamos todos chegando junto com estes poetas no interior dos olhos herméticos e belos do furacão, estamos todos nos ajustando, correndo levitando para o interior da grande mente coletiva de uma nova era. Dessa vez é verdade. São arquétipos-móbiles, Calder, as palavras estão contentes.
As imagens voltam de voos, rompem as águas paginadas das telas de cinema, re-voltam. Não mais há aqui imagens falsas, de estúdio. Uma nova ética poética. A poesia remove as coisas coisadas demais, as velhas coisas, aplaina o terreno. Às vezes, o poema cristaliza- numa casulo-segundo, um relato meio como se com os bordos vaporando, ilimites flanando ruflando uivando, nos ouvidos invisíveis de poesia. Quando tem mais uma música que não pertence à audição a gente sabe que é mais do que prosa, que é poesia. É que ressoa. O céu do eu.
Ainda vão ter que inventar tantas teorias para embalar essas novas frequências poéticas!
Ah, vale ainda dizer que aqui ninguém tem medo da mitologia, do tonal, do astral, do superastral, do grande amor...Das estrelas-reticências...do piscapiscar...
Há uma felicidade aqui. O pessoal desbastou, o pessoal encontrou...

Carlos Emílio C . Lima
Pipol
Claúdio Portella

Lançamento em São Paulo, dia 17 de julho, às 19h30
na sede da FUNARTE em São Paulo
Alameda Nothmann, Nº 1058 – Centro. Próximo às estações Santa Cecília e Marechal Deodoro do Metrô.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sobre uma nobreza duvidosa

Sobre uma nobreza duvidosa

Um par de sandálias tingidas à mão, acompanhado de outro par de sapatos de couro de crocodilo vermelho – comprados numa dessas liquidações, por mero consumismo, ou sucumbência do tédio – na robustez de um fluir que insistia recrudescer num monturo de falácias, abandonaram o peso das caixas e desenharam um losango sobre os lençóis morenos. Quanto pode confessar o que é suprimido?

A mulher era adepta ao Feng Shui. Criativa, quase demente. Fazia arrumações seguidamente, livrando-se das coisas que não usava nem viria a usar. O vestido de seda ficara confuso por um tempo maior, talvez numa ilusória tentativa de manter vivas as coisas imponderáveis – com o tempo são outras as noções do que se deve nutrir – transformou-o num lenço para colorir o seu pescoço de garça. Dos retalhos surgiram quatro ornamentos em forma de mariposa e dois em forma de estrela de Davi. O azul, potencialmente calmo, evitaria agitações – aprendera no portal cromoterápico. O desdém de algumas bijuterias, cujas memórias já não exalavam nenhuma paixão, ganhou o cabaz das doações.

Porque era necessário afogar-se num pequeno oásis, nalgum perfume de engano onde não se confundiria transportou-se para os abstratos. Sem perscrutar, displicentemente exposta, cerrando os olhos, não para impedir sentimentos, mas para depurar tudo com maior concentração e rapidez. Revolveu as folhas compactadas e quase inertes dos pensamentos infalivelmente expressos e acarinhados. O contorno das pálpebras já não é o da menina que lhe singra as portas da alma. Pautas a sabor de erva-doce – a força e a mobilidade dos desejos: “E esse inverno, cruel e necessário, que enrijece a fluidez dos rios e adormece as flores das plantas. Embora sejam perceptíveis os seus brinquedos e verdadeiras as suas dobraduras, não sei o que é o tempo, nem o que posso alcançar sem ele. Diante da inexorável sonolência que não dividirá o cansaço dos meus olhos, do que não piso, tudo é insônia e excesso de voz, química e loucura. Inquebrantável é o gigante que persigo ao largo desse aramado. Enquanto houver um suspiro roçando-me a fronte, enquanto forem enquadráveis os ângulos do absurdo, toda a via será meio falsa, meio falange, meretriz por essência.”


Texto do livro "Entre as Águas"
Fotos: Ipês- by Tere Tavares

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Estação Violeta


Estação Violeta

Cada ser possui o próprio tempo e o tempo possui todos os seres.

Por tantos dias seguira sem surpreender as surpresas, não houve como evitar, nem teria razões. Fora sem ir. Caríssimo. Formal, gostava de o ser em determinadas ocasiões.
Apesar de tudo, dava-se à entrega quase não havida. E lucevam le stelle. Como carícias perdidas. Olhava para a esperança que lhe antecipava silêncios sonoros, como todos os pássaros insones, enfatizando no canto calado, o prenúncio da noite quando fingem adormecer.

Nesse ponto os labirintos o confundem ainda mais. Engole uma pílula. E outra. Amanhã certamente diminuirá a quantidade e estará mais lúcido que as tonturas. Será mais fácil subir a escada, e poderão falar-lhe alto que não lhe importará em nada. Ouvirá com o mesmo prazer com que ouve os luares maiores. Mas por enquanto lhe é tão agradável o silêncio... e tão morna a solidão que nem o frio lhe faz  mal.

Um anseio teimoso arrebata-lhe os olhos – o tempo demora passar para quem espera, dói àquele que o vê ansiando que passe depressa. Vive o calor que trafega pelo frio e lhe diz que continuará. Queria que deus o alcança-se. Primavera dentro ao menos com o calor confortável das flores. Pergunta-se então: por que o alcança justamente quando aprende a não ser Deus?

Para si é tão real o anjo que imagina: “...é como se pudesse tocá-lo, e toda vida foi só isso que eu tive.” Como num passado recente quando as nuvens sem forma o quiseram levar para lá do mundo, disse não, que apenas ficassem consigo, e lhe amainassem de leve a cabeça.

Cerrou os olhos e quis serenar. Se não fosse ele palavras não expressas naquele momento: um patchwork de confusões distorcidas. Permitiu que não houvesse despedida –  e todos os instantes renovados de fúria, atônitos, vasculharam-lhe as onipresenças iniludíveis.

Texto do livro "Entre as Águas"
Foto by Tere Tavares


domingo, 13 de maio de 2012

À moda de Iara



À moda de Iara

"É difícil se abrir, mas quem disse que é fácil encontrar alguém que escute?" (Cecília Meireles)

Despretensiosamente, dava campo ao ímpar redesenho do efêmero – a linha da transitoriedade – algo em que é possível crer, um sim contínuo para demorar-se no reanimar dos espelhos, reconhecer-se e novamente navegar a existência – quando desapropriada de si fosse toda gente, e todo “eu”.

Haveria como não pensar? Luzir sem verter? Embriagar-se de índoles e indulgências onde construções e intuições fossem capazes de mostrar sem exibir, onde não se relegasse o ritmo ao vazio, com tantas estranhezas quanto há estrelas no céu?

Solitariamente perambula em águas incômodas, tiaras de aguapés. Não quer ser apenas técnica ou sentimentos com o propósito de se tornarem egoisticamente inesquecíveis, grafismos inelutáveis dados ao tropel dos ventos, qual oblações irrefletidas cujos desígnios nada comandam.

Agora é quase uma auréola a confessar-se surpresa com o descanso de ocasos fugidios, a dúvida e a ineficácia da culpa – quiçá uma fórmula de driblar o confronto e a verdade.

Que fosse algures enfático... se deslindaria em consentimentos – quem não parte ou nunca diz adeus, que assassino não se diz repetidamente inocente?

A veste desnuda imita o amor quando não escolhe formas ou defensores. Há que vivê-lo somente, imperfeito, com a lucidez habilidosa da escuridão, como se nada restasse – nem os personagens.

Silhueta altiva, Iara, como a urgência das macieiras, rotunda, serva de igarapés e ninféias, quase igapó, como se acreditasse ou soubesse de antemão todos os segredos e ainda assim afirmar multiplicar-se – entre experimentar e adquirir – um rio obsequente.

Mestres sabem calar... segregou o leito dos veios às manobras das falésias.
A menos metade é agora uma necessidade irreprimivelmente líquida, socorrendo os sentidos com uma sinceridade oblíqua. “Quando eu vier não ouvirei além do que me interessa.”

O sol se estendia ma finura da chuva que assomava correntes maiores, como um vício de verbos extasiados no olho dos fios de água. ”Não os posso ver abandonados. É como se ao retomá-los me retomasse num fulcro inolvidável.” Quanto às pedras, se pensavam ou ouviam vozes – não eram diamantes e não soavam falsas em nada.

Reconhecera a fluência do que lhe correspondia. Sem sumir, ou obscurecer. Sem objetivar ou premeditar. Na claridade obstinada que doava, obtinha das faces dos olhos o curso das águas que, fatalmente, se aglomeram no mar.

{Texto do livro "Entre as Águas"
Tela "A Miragem" - OSB - 60x80 2006
by 
Tere Tavares}

sábado, 24 de março de 2012

Quando a água é também a terra



Quando a água é também a terra

Não viram nem perguntaram se estava com fome, tampouco sentiram piedade ou qualquer sentimento semelhante; o dessemelhante simplesmente não sente.
Veio o irrefreável desejo de saudar a despedida, como um presente sem destino – a santa armadilha de ir. Ou vir em orlas de silêncio para não destoar do hipocritamente calado. Escusas de uma inquebrantável estrutura por debandar. Havia sobre ela óleo e grafias tão sutis com erros desveladamente sussurrados como para arrematar o infinito feito a seivas e desertos.

“Onde fui que não mais me vejo? Onde estive cá dentro a pestanejar a madrasta que me dá esses filhos? Perdi-me na fatalidade que não quis. Fiz-me na fúria involuntária de um hino estridente – a balbúrdia a que chamam de chamados. Eu derramo essa chuva de escarpa porque talvez o futuro não exista senão oculto nessa descrente esperança”.

Onde sobra escassez não falta divindade a par de tornar-se – estrelas puídas viram aplausos para dissuadir o sossego. O dia trará a noite e suas alças intratáveis, a noite premeditará o amanhã e o sol nascerá como sempre para desejar outra coisa e segregar razões, para redimir o torpor que calará o corpo e assomará do irrecuperável  um futuro menos abissal, junto ao sal, quiçá, junto a nada: “Não existisse o amparo nesse teu ombro, em que fulgor repousaria os meus pés que insistem em não penetrar-me a fala que se solta em três silêncios, vinte e um mil intervalos. Que seria do meu alvorecer se não houvesse nele olhos sequiosos de ti, que diria a minha pele se sobre ela não pousasse a voz das tuas mãos? Deus não me faria entrar num lugar onde não fosse possível a Sua proteção.”

Foram-se os guardados, a vontade imersa seria para longe, algo que lhe poupasse um pouco as estranhezas que carregava, mas não apenas isso. Dois patinhos na lagoa: uma data como outra qualquer. Nenhuma lágrima brotou. Nenhum sorriso. O tempo e seus duendes irrequietos mereciam um novo itinerário. A mão acalentada junto ao peito. A solidão impreterível e sábia teria todas as horas de um aqüífero rosado.  Como antes, como sempre. O olho ávido não subornava nada, ninguém. As águas concentradas no curso antigo, vago. O cheiro de resina vogando em tudo sem causa ou crença. Um pacto. Um fato. Uma casa em outra rua. Um quarto vazio. Maior. Um coração alegre e ditoso.  No centro. No meio. Sem fim. Mas não sem finalidades.

 Brilhou ao saber que não havia nada maior que sorrir ao divisar um horizonte talhado de pássaros, como painéis entretecidos na renda dos fios de Ariadne. Não rejeitaria a semente cujo desejo era tão forte quanto à gota que lhe daria os brotos, as raízes... os denominadores inesgotáveis das estações aceitando brandamente  novas semeaduras, cada instante que sonhasse ser tempo no ensaio da vida.

As razões das águas são livres, como é liberta a sede que não cede enquanto não saciada – o feitio das orlas, de todos os remos e barcos por conduzir. Nada comparado ao bálsamo das lezírias recostando-se no buliçoso remanso do que é comumente esquecido.

Recorda-se do que foi primeiro, último, perfeito: “Se me vissem não me desejariam talvez sequer olhassem – a vida a escorrer por entre os dedos, supondo que algo surpreenda o impossível para salvar-me do entorpecimento do ânimo num receptáculo ondulado transcendendo àqueles que me desconhecem. Em todas as coisas há vozes confusas, para mim que as ouço demasiado altas temo que seja perigoso dar-lhes conclusões. Não chamarei com o próprio nome o lancinar voraz que me ronda... a alada alma que é minha por não ter-me recusado a adotá-la – não se abandona ninguém quando se conhece o suor do abandono –  tento entende-la ciente de que permanecerá em marés rebeldes, submergidas no incessante desentendimento do meu rosto. Sonhei que sentia frio ou foi o frio que sonhou ter adormecido comigo junto aos corais, a cada sopro  quebrei o silêncio sem machucá-lo.”

Não havia mais ninguém no jardim do éden que pudesse coincidir com o estrondo dos sinais, vindos propositalmente sem nomenclaturas, nas convulsas texturas do tempo – suas misturas de solo e miniaturas de sombras, a correnteza das águas diagnosticando o sorvedouro onde se dobra o que não prescinde ser apenas diferente ou mais que mortal – na diversidade dos olhares saberá qual considerar – no paradoxo incomensurável do mundo que, célere, não suporta indecisões. Um interlúdio entre o metafísico e o humano – o dia não se finda quando a noite inicia.

Detém-se para retornar noutra sonoridade, na orquestra onipresente dum espelho inesquecível, limpo da bruma: “O que fiz do que não fui? Continuo rodeada pela depuração das fontes, suas chuvas ensolaradas. Dando por mim que a divindade mesmo não sendo santa, continua a ser divina. Coberta de lua nascente, ouso onde nada há para retirar além do excesso de perfeição. Como dizer que era eu aquele grão de pó renascido no dorso das águas? No regresso dos ruídos, a rota úmida da cerâmica bebericando a forma, o dom de atemorizar o medo numa feitura apoiada no vento, dourada nas searas, no fluxo da terra remoçada pela explosão sem fim dos rios. Assinando-me de mim mesma”.

Texto do livro "Entre as Águas", publicado originalmente  em:

quarta-feira, 14 de março de 2012

Feliz dia da Poesia



Das linhas antes minhas

perdoai os versos dúbios,
as não-conclusões.
eu me afeiçôo
ao fervilhar das idéias;
induzo e vós deduzis,
insinuo e vós pensais.
ao fazer me desfaço,
ao escrever me despertenço
sobretudo, sobre mim,
instigo-vos.


Monólogos

I

o mundo vai além das minhas dúvidas.
há em mim ramagens estranhas.
diria, tenho nas entranhas, 
todas as árvores do mundo.

admiro a possibilidade que sinto múltipla por ser simples
e, sorrio à que percebo complexa por ser única.

deram-me o amor para existir
e, no que amo, a existência suprema e lenta,
instala seu lume.
e só de plumas é o anjo que me pensa e sente
a jura de alegria com o soluço da mente na boca.

toda minh’alma é um lenço convulso por entre as folhas.

II

as coisas com que falo
têm a voz dos princípios e desertos,
têm todas as vozes dos perdidos,
e me seguem, ouvindo.

me aquieto no escuro
como quem foge ou se esconde
e, neste esconder, cubro-me
de um ser tão ínfimo para o mundo,
quanto é branda a calmaria das horas
a quem tem a eternidade para si.

quando a ausência de tudo está em mim,
sinto-me, em tudo, mais presente.

durmo, e não sei a tranqüilidade santa
de quem, verdadeiramente, dorme.

cada dia é um oráculo que circunda 
e realça o sentimento, e na leveza que me enleva,
vislumbro a sombra que me inunda
e a luz que me sucumbe.


III

a felicidade é um esquecer-se,
um estreitar-se num segundo, 
antes que passe.

o assédio sábio da lua
me investiga as emoções.

falta-me a exatidão de quando deixei de sorrir;
consigo supor
que o perdi na lentidão sucessiva dos dias e das noites.
também não atino quanto se passou de vida,
entre o sorriso perdido e a dor que aprendi a sorrir agora.

sou a liberdade que tem de si o gemido silente,
o gosto de cada passo no descompasso de tudo que vive.


IV

de fato, sinto que existe 
a nesga bailarina plena de vida
e, guardo-a num horto qual hóstia fosse
e, rezo-a, no sigilo da alma,
nos meus olhos de menina.

é tão indelével o que se tem da existência
que em tudo cabem inúmeros propósitos.
não fujo de falar comigo:
se é minha vontade entender-me, inicio por estudar-me.

:#Texto do livro Meus Outros 2007 - 
e Tela À luz dos livros OST 30x40 2006:
By 
Tere Tavares#: