quinta-feira, 14 de junho de 2012

Estação Violeta


Estação Violeta

Cada ser possui o próprio tempo e o tempo possui todos os seres.

Por tantos dias seguira sem surpreender as surpresas, não houve como evitar, nem teria razões. Fora sem ir. Caríssimo. Formal, gostava de o ser em determinadas ocasiões.
Apesar de tudo, dava-se à entrega quase não havida. E lucevam le stelle. Como carícias perdidas. Olhava para a esperança que lhe antecipava silêncios sonoros, como todos os pássaros insones, enfatizando no canto calado, o prenúncio da noite quando fingem adormecer.

Nesse ponto os labirintos o confundem ainda mais. Engole uma pílula. E outra. Amanhã certamente diminuirá a quantidade e estará mais lúcido que as tonturas. Será mais fácil subir a escada, e poderão falar-lhe alto que não lhe importará em nada. Ouvirá com o mesmo prazer com que ouve os luares maiores. Mas por enquanto lhe é tão agradável o silêncio... e tão morna a solidão que nem o frio lhe faz  mal.

Um anseio teimoso arrebata-lhe os olhos – o tempo demora passar para quem espera, dói àquele que o vê ansiando que passe depressa. Vive o calor que trafega pelo frio e lhe diz que continuará. Queria que deus o alcança-se. Primavera dentro ao menos com o calor confortável das flores. Pergunta-se então: por que o alcança justamente quando aprende a não ser Deus?

Para si é tão real o anjo que imagina: “...é como se pudesse tocá-lo, e toda vida foi só isso que eu tive.” Como num passado recente quando as nuvens sem forma o quiseram levar para lá do mundo, disse não, que apenas ficassem consigo, e lhe amainassem de leve a cabeça.

Cerrou os olhos e quis serenar. Se não fosse ele palavras não expressas naquele momento: um patchwork de confusões distorcidas. Permitiu que não houvesse despedida –  e todos os instantes renovados de fúria, atônitos, vasculharam-lhe as onipresenças iniludíveis.

Texto do livro "Entre as Águas"
Foto by Tere Tavares


domingo, 13 de maio de 2012

À moda de Iara



À moda de Iara

"É difícil se abrir, mas quem disse que é fácil encontrar alguém que escute?" (Cecília Meireles)

Despretensiosamente, dava campo ao ímpar redesenho do efêmero – a linha da transitoriedade – algo em que é possível crer, um sim contínuo para demorar-se no reanimar dos espelhos, reconhecer-se e novamente navegar a existência – quando desapropriada de si fosse toda gente, e todo “eu”.

Haveria como não pensar? Luzir sem verter? Embriagar-se de índoles e indulgências onde construções e intuições fossem capazes de mostrar sem exibir, onde não se relegasse o ritmo ao vazio, com tantas estranhezas quanto há estrelas no céu?

Solitariamente perambula em águas incômodas, tiaras de aguapés. Não quer ser apenas técnica ou sentimentos com o propósito de se tornarem egoisticamente inesquecíveis, grafismos inelutáveis dados ao tropel dos ventos, qual oblações irrefletidas cujos desígnios nada comandam.

Agora é quase uma auréola a confessar-se surpresa com o descanso de ocasos fugidios, a dúvida e a ineficácia da culpa – quiçá uma fórmula de driblar o confronto e a verdade.

Que fosse algures enfático... se deslindaria em consentimentos – quem não parte ou nunca diz adeus, que assassino não se diz repetidamente inocente?

A veste desnuda imita o amor quando não escolhe formas ou defensores. Há que vivê-lo somente, imperfeito, com a lucidez habilidosa da escuridão, como se nada restasse – nem os personagens.

Silhueta altiva, Iara, como a urgência das macieiras, rotunda, serva de igarapés e ninféias, quase igapó, como se acreditasse ou soubesse de antemão todos os segredos e ainda assim afirmar multiplicar-se – entre experimentar e adquirir – um rio obsequente.

Mestres sabem calar... segregou o leito dos veios às manobras das falésias.
A menos metade é agora uma necessidade irreprimivelmente líquida, socorrendo os sentidos com uma sinceridade oblíqua. “Quando eu vier não ouvirei além do que me interessa.”

O sol se estendia ma finura da chuva que assomava correntes maiores, como um vício de verbos extasiados no olho dos fios de água. ”Não os posso ver abandonados. É como se ao retomá-los me retomasse num fulcro inolvidável.” Quanto às pedras, se pensavam ou ouviam vozes – não eram diamantes e não soavam falsas em nada.

Reconhecera a fluência do que lhe correspondia. Sem sumir, ou obscurecer. Sem objetivar ou premeditar. Na claridade obstinada que doava, obtinha das faces dos olhos o curso das águas que, fatalmente, se aglomeram no mar.

{Texto do livro "Entre as Águas"
Tela "A Miragem" - OSB - 60x80 2006
by 
Tere Tavares}

sábado, 24 de março de 2012

Quando a água é também a terra



Quando a água é também a terra

Não viram nem perguntaram se estava com fome, tampouco sentiram piedade ou qualquer sentimento semelhante; o dessemelhante simplesmente não sente.
Veio o irrefreável desejo de saudar a despedida, como um presente sem destino – a santa armadilha de ir. Ou vir em orlas de silêncio para não destoar do hipocritamente calado. Escusas de uma inquebrantável estrutura por debandar. Havia sobre ela óleo e grafias tão sutis com erros desveladamente sussurrados como para arrematar o infinito feito a seivas e desertos.

“Onde fui que não mais me vejo? Onde estive cá dentro a pestanejar a madrasta que me dá esses filhos? Perdi-me na fatalidade que não quis. Fiz-me na fúria involuntária de um hino estridente – a balbúrdia a que chamam de chamados. Eu derramo essa chuva de escarpa porque talvez o futuro não exista senão oculto nessa descrente esperança”.

Onde sobra escassez não falta divindade a par de tornar-se – estrelas puídas viram aplausos para dissuadir o sossego. O dia trará a noite e suas alças intratáveis, a noite premeditará o amanhã e o sol nascerá como sempre para desejar outra coisa e segregar razões, para redimir o torpor que calará o corpo e assomará do irrecuperável  um futuro menos abissal, junto ao sal, quiçá, junto a nada: “Não existisse o amparo nesse teu ombro, em que fulgor repousaria os meus pés que insistem em não penetrar-me a fala que se solta em três silêncios, vinte e um mil intervalos. Que seria do meu alvorecer se não houvesse nele olhos sequiosos de ti, que diria a minha pele se sobre ela não pousasse a voz das tuas mãos? Deus não me faria entrar num lugar onde não fosse possível a Sua proteção.”

Foram-se os guardados, a vontade imersa seria para longe, algo que lhe poupasse um pouco as estranhezas que carregava, mas não apenas isso. Dois patinhos na lagoa: uma data como outra qualquer. Nenhuma lágrima brotou. Nenhum sorriso. O tempo e seus duendes irrequietos mereciam um novo itinerário. A mão acalentada junto ao peito. A solidão impreterível e sábia teria todas as horas de um aqüífero rosado.  Como antes, como sempre. O olho ávido não subornava nada, ninguém. As águas concentradas no curso antigo, vago. O cheiro de resina vogando em tudo sem causa ou crença. Um pacto. Um fato. Uma casa em outra rua. Um quarto vazio. Maior. Um coração alegre e ditoso.  No centro. No meio. Sem fim. Mas não sem finalidades.

 Brilhou ao saber que não havia nada maior que sorrir ao divisar um horizonte talhado de pássaros, como painéis entretecidos na renda dos fios de Ariadne. Não rejeitaria a semente cujo desejo era tão forte quanto à gota que lhe daria os brotos, as raízes... os denominadores inesgotáveis das estações aceitando brandamente  novas semeaduras, cada instante que sonhasse ser tempo no ensaio da vida.

As razões das águas são livres, como é liberta a sede que não cede enquanto não saciada – o feitio das orlas, de todos os remos e barcos por conduzir. Nada comparado ao bálsamo das lezírias recostando-se no buliçoso remanso do que é comumente esquecido.

Recorda-se do que foi primeiro, último, perfeito: “Se me vissem não me desejariam talvez sequer olhassem – a vida a escorrer por entre os dedos, supondo que algo surpreenda o impossível para salvar-me do entorpecimento do ânimo num receptáculo ondulado transcendendo àqueles que me desconhecem. Em todas as coisas há vozes confusas, para mim que as ouço demasiado altas temo que seja perigoso dar-lhes conclusões. Não chamarei com o próprio nome o lancinar voraz que me ronda... a alada alma que é minha por não ter-me recusado a adotá-la – não se abandona ninguém quando se conhece o suor do abandono –  tento entende-la ciente de que permanecerá em marés rebeldes, submergidas no incessante desentendimento do meu rosto. Sonhei que sentia frio ou foi o frio que sonhou ter adormecido comigo junto aos corais, a cada sopro  quebrei o silêncio sem machucá-lo.”

Não havia mais ninguém no jardim do éden que pudesse coincidir com o estrondo dos sinais, vindos propositalmente sem nomenclaturas, nas convulsas texturas do tempo – suas misturas de solo e miniaturas de sombras, a correnteza das águas diagnosticando o sorvedouro onde se dobra o que não prescinde ser apenas diferente ou mais que mortal – na diversidade dos olhares saberá qual considerar – no paradoxo incomensurável do mundo que, célere, não suporta indecisões. Um interlúdio entre o metafísico e o humano – o dia não se finda quando a noite inicia.

Detém-se para retornar noutra sonoridade, na orquestra onipresente dum espelho inesquecível, limpo da bruma: “O que fiz do que não fui? Continuo rodeada pela depuração das fontes, suas chuvas ensolaradas. Dando por mim que a divindade mesmo não sendo santa, continua a ser divina. Coberta de lua nascente, ouso onde nada há para retirar além do excesso de perfeição. Como dizer que era eu aquele grão de pó renascido no dorso das águas? No regresso dos ruídos, a rota úmida da cerâmica bebericando a forma, o dom de atemorizar o medo numa feitura apoiada no vento, dourada nas searas, no fluxo da terra remoçada pela explosão sem fim dos rios. Assinando-me de mim mesma”.

Texto do livro "Entre as Águas", publicado originalmente  em:

quarta-feira, 14 de março de 2012

Feliz dia da Poesia



Das linhas antes minhas

perdoai os versos dúbios,
as não-conclusões.
eu me afeiçôo
ao fervilhar das idéias;
induzo e vós deduzis,
insinuo e vós pensais.
ao fazer me desfaço,
ao escrever me despertenço
sobretudo, sobre mim,
instigo-vos.


Monólogos

I

o mundo vai além das minhas dúvidas.
há em mim ramagens estranhas.
diria, tenho nas entranhas, 
todas as árvores do mundo.

admiro a possibilidade que sinto múltipla por ser simples
e, sorrio à que percebo complexa por ser única.

deram-me o amor para existir
e, no que amo, a existência suprema e lenta,
instala seu lume.
e só de plumas é o anjo que me pensa e sente
a jura de alegria com o soluço da mente na boca.

toda minh’alma é um lenço convulso por entre as folhas.

II

as coisas com que falo
têm a voz dos princípios e desertos,
têm todas as vozes dos perdidos,
e me seguem, ouvindo.

me aquieto no escuro
como quem foge ou se esconde
e, neste esconder, cubro-me
de um ser tão ínfimo para o mundo,
quanto é branda a calmaria das horas
a quem tem a eternidade para si.

quando a ausência de tudo está em mim,
sinto-me, em tudo, mais presente.

durmo, e não sei a tranqüilidade santa
de quem, verdadeiramente, dorme.

cada dia é um oráculo que circunda 
e realça o sentimento, e na leveza que me enleva,
vislumbro a sombra que me inunda
e a luz que me sucumbe.


III

a felicidade é um esquecer-se,
um estreitar-se num segundo, 
antes que passe.

o assédio sábio da lua
me investiga as emoções.

falta-me a exatidão de quando deixei de sorrir;
consigo supor
que o perdi na lentidão sucessiva dos dias e das noites.
também não atino quanto se passou de vida,
entre o sorriso perdido e a dor que aprendi a sorrir agora.

sou a liberdade que tem de si o gemido silente,
o gosto de cada passo no descompasso de tudo que vive.


IV

de fato, sinto que existe 
a nesga bailarina plena de vida
e, guardo-a num horto qual hóstia fosse
e, rezo-a, no sigilo da alma,
nos meus olhos de menina.

é tão indelével o que se tem da existência
que em tudo cabem inúmeros propósitos.
não fujo de falar comigo:
se é minha vontade entender-me, inicio por estudar-me.

:#Texto do livro Meus Outros 2007 - 
e Tela À luz dos livros OST 30x40 2006:
By 
Tere Tavares#:

quarta-feira, 7 de março de 2012

Como sabes

Como sabes

Ao relevo submisso do espelho admitiu sem negações outra de si. Sem expressão de noções ou julgamentos. Sem mágoas ou amarguras, isenta de culpa por talvez destroçar-lhes quaisquer ressentimentos. Alegrou a tristeza no segmento de um objetivo ou de um objeto para tudo o que suportava. Intrometeram-se luminescências que se fecharam abertamente nos florescimentos vindos de fora. E persistiam em diversos murmúrios.  Como os dias iguais a todos os dias que ainda submergiam numa loucura feliz. Um acesso exterior e nada para partilhar, apesar do convite – o temor é perdedor assíduo da indiferença – a pior forma de amor que há.

A malha da insônia seria o anzol fosforescente do corpo indefeso. Perto dali morava um cedro cinqüentenário, um canto de corruíra, uma cerejeira onde alguém, com muito zelo, reservara sementes para lhe dar.

Afagou-lhe as pálpebras, os anéis dos cabelos, a face, as formas de pérola. No seu abraço permitiu-lhe o abandono seguro de quem se sente amado.Incondicionalmente. O quarto sempre à sua espera, o quadro de tulipas pousando no coração azulado entre as paredes claras, o ensejo rosado a esperar-lhe o gosto singular, lençóis de algodão perfumados de maciez maternal. Uma ingênua liberdade toldava-lhe a tristeza adormecendo para reconfortar-se no amanhã, com um sorriso corajosamente inesquecível. Sobre uma luz difusa entre singelezas de fogo repetiu como uma canoa flutuante o langor que se perdera numa erva antiga, a cantiga que previa inteira e só por aquela noite a procurara como se soubesse não tê-la. “O inesquecível é o amor que sobra. Para algumas, e só para algumas coisas, que são para sempre.”

Aqueles olhos eram loucos e surdos. E eram também aqueles ouvidos com olhos.  Porque há ouvidos cegos e fragores inaudíveis com olhares: E olhos mudos e lábios olhando as profusões invisíveis ao tato. O paladar pênsil do gesto sem lábios.  Olhar sápido de olivas. E oliveiras repletas de retinas tocando o sol com brumas, com mãos de vinho... “que misteriosos olfatos escondeis além de vós? Precisarei de todos os sentidos ao mesmo tempo.” Ouviu um perfume qualquer que seu coração reconheceu, tocou-o de forma irreversível na escuridão, na proximidade ausente do momento que a prendia até que surgissem os delineamentos de consciência e subconsciência, o desconhecido perguntando se poderia resumir-se. Não com uma resposta qualquer. Tampouco com o retrocesso.

Sobrava-lhe o nada para expressar o mínimo, e não expor estranhamentos a caberem uns dentro dos outros – primaveras com floradas de gelo, verões sendo outonos mornos, invernos de calor a nevar no tropeço das nuvens. As oliveiras misturadas aos sândalos e madressilvas. Flores de laranjeira deslizando pelo tempo, entre as asas dos melros... um mero truque da imaginação, a memória talvez nem sua que se seguia por séculos.

E desse olfato surdo vê a completude indefinida em fractais. Nem tão abstratos assim, a imaginação do gosto lhe saliva a boca. “Não se lembrem de Pavlov. Houve uma vez em que me dei sais. Depois açúcares. Não há nada ou ...talvez alguma coisa aja fora de mim. Vejo novamente quando ouço e novamente toco quando olho. Outra vez me ouço quando degusto. E novamente me alimento quando tudo se mistura nesse inesgotável recurso de meia-estação.”

Multiplicou-se com rebeldia e graça por todas as frações da luz – no colo do ar e do tempo, como as areias juvenis... fecundando-se indefinidamente em oceanos pautados por um eco outro, do outro lado. O lado de dentro.

Texto do livro "Entre as Águas" publicado em
Debaixo do Bulcão poezine nº 40
Almada, PT, dezembro de 2011
http://debaixodobulcao.blogspot.com/2012/03/como-sabes.html

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Interiores

INTERIORES

Tere Tavares


Resisto a tudo, menos à tentação. (Oscar Wilde)




Entre a qualidade e a natureza da própria construção, houve algum dia um céu para as minúsculas evidências, múltiplos destinos e harmonias entrelaçadas?

Percebe a tristeza gasta dos sapatos. É vago porque é vário, porque não é. Reencontra desconheceres que o presenciam. Tenta expor o que há nas falas da visão. Muito além do branco, em paz no próprio desassossego, abstrato. Não passa de tentativas de preenchimento. Um rumoroso enternecer corrompendo o silêncio atroz e doce, passos requeridos palidamente de uma pequena metrópole da alma. Tudo claro e iluminado. Tudo muito pacífico. Imenso. Onde as estrelas nunca mentem sua luz nem o pescador retorna sem o bulício solto das redes.

E os passos se redimem no extrato do estranho dono dos sapatos, do medo exausto de temer o gosto do estranho. Não ter seguidores talvez seja o melhor mérito. O intuito da negação que não se detém a falar de limites, de incongruências. Só de si. Dúbias. E que diante do subterfúgio, inaugura o prazer de pisar. Mas é o nome, apenas o próprio nome a melhor alegoria dos seus pés – E cadê o céu para revelar-lhe a fórmula indolor, o eu preciso de um talvez paulatinamente amadurado na insônia que não cansa?

O fio diluído do menino que voava ultrapassou as farpas. Fugindo sempre que possível de qualquer traço que lhe referisse uma imagem ilusória, improvável. A percepção deve estar diretamente ligada a uma carga elucidativa potencial para instaurar-se no campo da consciência. Temia, acima de tudo, o desconhecimento do objeto que a produzia. O solo não era um fantasma, nem a biologia um aparato tecnológico simplista. Fechou o laptop. Havia sussurros em todas as janelas. Não se deteria a fragmentar os estigmas do silêncio em outro idioma para meia dúzia de pessoas. O painel. O laboratório. A platéia irredutível dos tubos de ensaio. Experiências alegremente concentradas em teorias e teses. As moléculas e as células continuariam a vê-lo. Envelheceu pesquisando como se rejuvenesce. Uma borboleta diáfana e branca pousou em seus cabelos anelados. “Sou um doutor?”


Texto do livro "Entre as Águas".
Publicado também na SEXAGÉSIMA QUARTA LEVA da revista eletrônica DIVERSOS AFINS em 31.01.12. 
Foto da Autora
http://diversos-afins.blogspot.com/ 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Cascavel mostra sua Arte



Nesta sexta-feira (3), às 20 horas, será aberta a exposição “Cascavel mostra sua arte”, no MAC (Museu de Arte de Cascavel). A exposição é composta por telas, fotografias, esculturas e instalações produzidas por diversos artistas cascavelenses, assim os visitantes poderão observar os diferentes estilos, técnicas e poéticas dos participantes. As obras ficarão expostas até o dia 2 de março.

A intenção da Secretaria de Cultura é iniciar o ano de 2012 com uma grande exposição para mostrar o que Cascavel produz na área das artes plásticas. “Trata-se de uma exposição que irá agradar a todos os gostos, pois nela teremos desde as obras mais românticas até a arte mais contemporânea, todas produzidas por artistas cascavelenses”, comenta a secretária de Cultura, Judet Bilibio Haschich.

Para que a exposição fosse organizada, todos os artistas plásticos de Cascavel foram convidados a participar das inscrições no período de 5 de novembro a 20 de dezembro de 2011. “A exposição conta com a participação de 17 artistas e serão mais de 40 obras. Esperamos que essa variedade de trabalhos e estilos artísticos atraia a população de Cascavel”, destaca a coordenadora do MAC, Ana Lúcia Simão.

Para a artista Tere Tavares a exposição é uma ótima oportunidade para mostrar o trabalho de vários artistas de Cascavel. “Achei uma iniciativa muito boa, pois assim a população acaba conhecendo as várias vertentes artísticas da nossa cidade”, comenta. A artista Nani também ressalta a importância da exposição. “Essa é uma maneira de ressaltar a produção artística de Cascavel, isso contribui para que novos talentos surjam”.


Participam da exposição os seguintes artistas: Alexandre Schuck, Beth Araújo, Blanca da Paz Trevisan, César Ferreira, Claudius, Jayne Pochmann, Keila D’Lima, Loiri, Lyria Wolf, Malu Rebelato, Nani, Nelson Josefi, Nelson Sosa, Tere Tavares, Vera Simon, Yara Doro e Valdir Rodrigues.



Fonte: http://www.cascavel.pr.gov.br/noticia.php?id=20811 
Tela: "Um olhar sobre as flores" - Óleo sobre tela- 90x60- 2010. Tere Tavares

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Enfeitador de paredes


*Resignação... que triste palavra! E, no entanto, é o único refúgio que fica*. Beethoven


Escondeu a inspiração sobre a túnica – sua musa, impossível de expulsar, tampouco se fazia adormecer. Caaba (nunca conseguira descobrir o motivo de haver herdado esse nome) não era, em absoluto, alguém que almejasse atingir “a neutralidade serena imparcial e objetiva”. Tampouco abdicava dos reflexos do espírito mesmo que não cessassem de serem difíceis.

No seu insólito julgamento, o surreal seria sempre o que ultrapassava o real sem desprezá-lo. Podia viver bem em qualquer parte, uma vez que não exigia muito do mundo.

Estava quase sempre cercado de sorrisos de papel, de amigos invisíveis, alguns bons, outros nem tanto, e outros ainda irremediavelmente distantes. Deixava-se prender sem ligar-se a ninguém.

Em suas viagens inenarráveis refletia sobre como deveria exercitar o esquecimento. Com o tempo percebeu não haver mais nada a ser esquecido. Desenvolvera uma simpatia indiferente, uma gentileza polida. Nunca superficial, hesitante, ou com ausência de pensamento. No olhar lânguido e suave encerrava uma atormentada bondade. Não a compreendia completamente embora lhe parecesse clara.

Procurava guardar o melhor possível de suas experiências, mesmo adivinhando o precipício final em que mergulharia o fruto do que, com toda dedicação, criava para a humanidade. Ter um trabalho que socorresse a todos, eis o mais nobre, o mais fácil, útil, e saudável a se fazer. Para a maioria das pessoas o que sobra da arte resulta em futilidades e desperdício de energia.

Sou um mero enfeitador de paredes” disse para si mesmo tendo a exata sensação de que em breve, muito em breve, seria ainda mais abandonado.

Chegou ao pequeno cômodo – era quase o nu descendo a escada – removeu os elos dourados do seu sagrado retiro. Pincéis de olhares envelhecidos, bisnagas de tinta misturadas à preguiça dos estojos, óleo de linhaça, solvente, giz. Como lhe era agradável a desordem olente dos materiais que remexia sempre com demorado encantamento.

Alguns quadros inacabados pareciam vigiar-lhe os mínimos movimentos. O pó lamentava a mobilidade do instante. Na mente de Caaba saltitavam todos os esboços que, por uma anônima metafísica, ainda não pudera exprimir. A exposição. O dia e hora marcados. “Que massacre trabalhar sob encomenda. Quem me dera ter à mão algo como “os comedores de batatas”. Monologava movendo-se na engenhosa rudez das superfícies – as paredes sabiam implorar como ninguém.

Lançaria mão do improviso para preencher o que não era possível abandonar.

Imaginando os céus que não existem, perambulou entre dois últimos presentes brancos – como talvez fosse quando se obrigava involuntariamente à ausência das cores.

Caaba ressuscitou um pouco a decisão de continuar vivendo contando com o que era: a alegria dos raros, o trevo de quatro folhas frágeis, o enfeitador de paredes. Ninguém é mais capaz que uma estrela que baixe do espaço sem querer. Não soube como evitar as lágrimas. Beijou a dor, a antiga construtora de sonhos – suas obras: únicos seres no mundo a esperá-lo.

Do livro "Entre as Águas".
Texto publicado no Cronópios: http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=5258
Foto: da autora 

domingo, 18 de dezembro de 2011

De romãs e sinos


De romãs e sinos:

da casca ao sumo,
do sumo à semente

-sinas.














Feliz Natal e Feliz 2012.


Aquarelas da autora: romãs.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Pedra do Dia



Na sala pequena e quase escura, deparou-se com a coleção de preciosidades dispostas em bandejas forradas de algodão branco: ali repousavam ágatas, opalas,todas as variedades do quartzo, flor de ametista,
turmalinas, murion, água-marinha, jade, jaspe... Quero essa, disse ao guardador de pedras... Será sua, aquiesceu sob as lentes de quem há anos reportara a arte para além da própria experiência. Tenho que me concentrar para assentá-la na base, e é preciso muita calma e meticulosidade. Eu espero, sem problemas.

Naquela tarde chuvosa e aparentemente sem surpresas,os olhos brilharam como as gotas dos losangos
pequenos e sutis, até que chegasse a noite. As nuvens não interromperam o choro. A rua bem o dizia com seus pequenos riachos de enxurrada. Adiou-se por detrás das chaves, dos betumes que coloriam as aberturas de ferro, pensou em sair e ver o sol suando o meio dia que houvera passado longe da tranca sólida, bem mais impassível que as mãos, que mal conseguiam irromper um delta pela portinhola da sala. Entre os vincos de vidro e uma prisão invisível, ganhou a pedra lapidada e flexível pela qual talvez tivesse esperado toda uma vida.

O dia seguinte, quando a manhã igualmente se derramou para recolher-lhe o sorriso em meio à brandura do corpo, abarcou ócios palpáveis como se tudo se afastasse num torneio de resistências – levantando pesos como brincadeiras enquanto o anel de ametista descansava entre os dedos feito um olho feliz.

(do livro Entre as Águas)
foto da autora

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Quando andar é meditar


A partitura  se expandia pela claridade dos caminhos. Algo de um comportamento sério, introspectivo, contrastava com os lilases e amarelos. Viam-se duas pessoas difusamente compenetradas caminhando, mais por obrigação do que por prazer. Pareciam tristes. Melancólicas. Talvez por perceberem que o tempo lhes havia escoado pelas faces sem permitir-lhes maiores momentos de completo esquecimento. Isso agora pouco importava. A partir dali decidiram ser como aquela criança saltitando descontraidamente à frente, com o mundo todo por percorrer. Eles eram brasileiros, descendentes de uma Europa falida, herdeiros de um país gigante (?) e eram você.

Foto da autora

domingo, 23 de outubro de 2011

O dia em que perdi a cabeça



Tudo quanto aprendi parecia desaparecer. A borboleta que sempre me esperava no mesmo ponto como se posasse para mim, estava seca. O azul das suas asas transportava-se misteriosamente para as minhas roupas. Não consegui divisar mais nada além daquele espaço sem naturezas ou com naturezas que passavam para um assombroso e volátil desconhecido. Meu braço esquerdo tateou algo em que não ousei acreditar e se fundiu nas manchas sufocantemente vermelhas e verdes que ladeavam as margens, enquanto o braço direito dirigia firmemente a pequena deusa de metal.



Pedalei neuroticamente feliz, enquanto me certificava das vertigens gastas que adornavam o ambiente. Não obtive calor nem frio. O ar, exausto com a minha fome por velocidade, se estendia ao comprido das margens. Sem me tocar. Sem proferir absolutamente nada. Como se soubesse mais do que via nos aparatos do possível.
Imitando um ritualista, uma ninfa exterior veio monitorar o meu cérebro entorpecido com suas palavras decepadas: “Sou o desacerto. Talvez um dia comezinho com perfume de rosmarinho. Mensageira dos impulsos de setembro. Em minhas faces de Calíope age uma estrutura que nunca me diz adeus. Sou o amanhã de um livro inconformado que aceita os mais ávidos porquês. O seu não! Perdão, quase esquecia, sou o escorpião dos pareceres. A complexidade do simples, a licença quase sem veias – o descaminho.”

Ela prendera a borboleta e o pó vítreo dos meus azuis entre os dedos.  Não a conservei como era o meu dever. Não queria dever-lhe nada. Foi isso. Evitei desesperadamente a escassez daquela tarde bicolor.

O intervalo que não viveria de razões se apaixonou pela graça que reluzia ocultamente em todas as coisas. O bosque de todos os dias.  Minha incauta metamorfose beijou o irreconhecível.

No difuso túnel que deu início à minha não existência, comecei a suspeitar da humildade das certezas de antes. A definição dúbia das manchas tão vermelhas e tão portas, a veemência da bolha tão única e irremediavelmente verde provavam o meu candeeiro rarefeito, cuja concupiscência sequer se dava conta da lamuriante escolha que não fiz. O sol sussurrava alentos ao meu evanescente brilho porque não havia evidências de tornar-me maior ou mais do que somente minúsculo.

Do livro "Entre as Águas- 2011
Fotos:  Ariel Tavares
Piloto : Jeronimo Tavares

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Quinta Primavera de Museus tem como tema "Mulheres, Museus e Memórias"

5ª Primavera de Museus tem como tema "Mulheres, Museus e Memórias"
A Prefeitura de Cascavel, por meio da Secretaria de Cultura, promove a 5ª Primavera de Museus, que ocorre ente os dias 19 a 25 de setembro. Diversas atividades serão apresentadas, com o tema “Mulheres, Museus e Memórias”, proposto pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus).
Pelo segundo ano consecutivo, o Museu da Imagem e do Som e o Museu Histórico Celso Formighieri Sperança estão inseridos na programação. A edição deste ano envolve aproximadamente 600 museus de todo o país.
A programação conta com exposições, show musical, peça teatral, palestras, contação de histórias, visita guiada e elaboração de colchas de memórias.
Segundo a coordenadora dos museus envolvidos e das atividades, Silvia Prado, “Este evento foi elaborado com o intuito de mostrar a realidade feminina e ressaltar a valorização da mulher em nosso contexto, ou por meio da história”.
As atividades da 5ª Primavera de Museus ocorrem no Centro Cultural Gilberto Mayer e em entidades educativas e sociais. A entrada é franca. Mais informações pelo telefone (45) 3902-1442.
Confira a programação
Exposição Fotográfica “Mulheres” com o fotógrafo, Fábio Conterno. Inspirada na beleza feminina e em momentos especiais que falam da realidade da mulher.
Local: Rua Rui Barbosa, nº 611 – Universidade Paranaense (UNIPAR).
Data: 19/09
Horário: 8 às 22 horas
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Apresentação Musical: Grupo Acácias. “O que Cantam as Mulheres”; Arranjos: Luciano Veronese (Produtor Musical) e Valécia Bressan (Profª de Canto).
Local: Rua Rui Barbosa, nº 611 – Universidade Paranaense (UNIPAR).
Data: 19/09
Horário: 19h15 às 20h20
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Palestra: “Retratos Matrimoniais: A Feminilidade entre Alianças”, ministrada pelo fotógrafo, Fábio Conterno.
Local: Rua Rui Barbosa, nº 611 – Universidade Paranaense (UNIPAR)
Data: 19/09
Horário: 20h às 21h30
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Contação de História: “A Moça Tecelã” de Marina Colassanti, contada por Janete de Souza Lopes.
Local: Colégio Estadual Padre Carmelo Perrone. Avenida Assunção, esquina com a Rua Cuiabá, Bairro Alto Alegre.
Data: 20/09
Horário: 19h30 às 20h30
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Contação de História: “A Moça Tecelã” da Escritora Marina Colassanti, dramatização do Grupo Trupe do Rabisco da Biblioteca Pública Sandálio dos Santos.
Local: Legião da Boa Vontade (LBV) - Avenida Brasil, nº 9749 e instituições educacionais e sociais a serem agendados.
Data: 23/09
Horário: 14h às 17h30
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Colcha de Memórias: O Museu Histórico em parceria com o Instituto Latino Americano de Sustentabilidade promovem a produção de uma colcha com o intuito de expor as memórias de mulheres com retalhos de tecido.
Local: Em instituições educacionais e sociais que desenvolvem trabalhos desenvolvidos com mulheres. Com a colaboração do professor Edson Gavazzoni.
Data: 19/09 – 24/09
Horário: 8h às 17h30
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Visita Guiada com o Pioneiro Valdir Webber
Local: Escola Municipal Profª Michalina K. Sochodolak
Data: 22/09
Horário: 15h
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Colcha Digital da Memória: A partir do relato das mulheres serão formados arquivos digitais, estes produzidos pela empresa Ecoeducar e representados por obras da artista plástica, Tere Tavares.
Local: Centro Cultural Gilberto Mayer (Rua Duque de Caxias nº 379 – Centro)
Data: 10/10
Horário: 8h às 17h30
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Fonte: http://www.cascavel.pr.gov.br/noticia.php?id=19986

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Entre as Águas

Porque nascer é preciso.



Amigos e Amigas, Público em geral,

Convido a todos a me honrarem e alegrarem com a presença no lançamento do livro de contos "Entre as Águas", que acontecerá em 13 de setembro a partir das 19 horas na Biblioteca Pública Sandálio dos Santos, Paço das Artes, à Rua Paraná, 2786 - Cascavel, PR.

Obrigada!


O evento conta com o apoio da Academia Cascavelense de Letras e da Secretaria da Cultura de Cascavel.

http://www.facebook.com/photo.php?fbid=218388201551832&set=a.218388194885166.59950.100001419602233&type=1&theater

domingo, 28 de agosto de 2011

Mescla




A felicidade de *|* tinha um arsenal de folhas para desonerar as luzes partidas dentro de si. Sua planta preferida, embora preferisse todas, não menos que os dias, era @ - a araucária – igualmente fértil e despretensiosa.


A @ costumava chamar *|* quando quisesse dar-lhe frutos ou aromas. *|* agradecia afagando-a com palavras doces só para contornar-lhe o viço contundentemente. A @ também conversava com #, irmã menor de *|*.

Numa tarde, sentindo as horas dobrarem-se níveas por trás das touças, *|* e # saíram juntas seguidas de perto por duas orquídeas e um ramo de alecrim. O perfume das orquídeas é parecido com o dos jasmins, comentou *|*. Ah! Não troco nada pelo perfume das rosas disse #.

Próximos ao cimo das pedras dois lírios silvestres, nítidos e exuberantes, pareciam esperá-las. @ percebeu do seu ápice frondoso, que os {} aparentemente imaculados espreitavam *|* e # de longe. Elas admiravam a brancura dos {} como se neles depositassem silentes fios de carícias.

Separam-se ao longo do caminho. Agora *|* afastada de # dava-se mais habilidosamente à diversidade natural que a circundava. Aproximou-se de outro bosque onde gostava de perder-se amiúde. Colhendo os segredos desmesurados das folharias, as já conhecidas pela botânica ou não. A Impatiens walleriana nascia espontaneamente nos arredores - era formidável observar-lhe a explosão das cápsulas de sementes a qualquer pequeno toque ou movimento. Do outro lado via-se o tronco da jabuticabeira, repleto de bagas negras e translúcidas – a seiva medicinal e doce. Cada emanação daquela irrestrita natureza tinha para *|* uma correlação indubitável com a vida.

O incômodo sossego dos {} ficara distante diferentemente de seu interesse pelas descobertas. Atravessou uma pequena clareira para alcançar [-] o alcaçuz. Acercou-se mais e encontrou também <:> a melissa. <:> poderia muito bem ter assistido seu nascimento, fazer parte da família, assim como o [-] lembrava-lhe sua # e os {} o homem amado.

Fechou os lábios para abrir um evanescente sorriso. A modorra tropical caia cobiçosa sobre cada mínima extensão de vida. A memória de *|* permitiu-lhe não esquecer o amor que a deixara há pouco tempo sem dar causas à inocência – preferira # e seus vestidos pouco sinceros ou sérios. “Com uma irmã assim quem quer fundar alguma família?” Ponderou *|* agarrando-se a um cipó que transformara num balanço. Inebriada e refletida numa dança cumpria um ritual esvoaçante como a falbalá que a cobria da cintura para baixo.

Pegou um maço de {}. Colocou-os entre os braços, decidida a levá-los consigo. Tropeçou num montículo de salgueirinha que lhe arranhou a delicadeza da tez. Lembrou-se do chá de <:> que lhe acalmara tantas vezes o sono indômito. Os {} escorregaram de seus braços e caíram no córrego, foram-se, lépidos, apesar da correnteza preguiçosa. *|* olhou para os lados. Lamentou como se chorasse – os lírios haviam ficado quase marrons como a fina lâmina de lama do fundo do córrego. *|* também sujara a falbalá, também se enlameara. Despiu-se para lavá-la na fonte límpida logo adiante. Suas pernas desnudas assemelhavam-se às longas hastes dos bambus.

Seu bioma era diverso, plural, quase desconhecido. Alcançou o [-] e colheu alguns ramos. As amoras verdes estavam amolecidas, prontas para deixar o pé. “Frutificam apesar do emaranhado de espinhos dos seus galhos, hei de ter algo delas no meu modo de existir.” Pensou *|*.

Se sim ou não, após sua passagem o bosque encharcou-se de suficiências mais significativas e gráceis. Vieram pássaros e borboletas. *|* já não recordava # nem o homem amado... recrudescia a cada passo no caminho de volta. A @ estava à sua espera.
Sem enganos ou reservas *|* cedeu à fertilidade das pulsões, recostou-se sobre a relva olente que desenhava lençóis dourados para acender-lhe a cútis cor de neve, o cabelo revolto e longo. *|* gostava do esboço suntuoso do vento, da sinuosidade rumorosa enraizando-lhe o ventre, o colo... quantas vezes fora sua única malga de carinho. Viu os pássaros em pares abrandando os voos. Os cabelos esparramados feito asas de purpurina multicor.

Uma revoada a mais e um espasmo, e sua febre dúbia já era rubor. Os {} brancos e perfumados trouxeram-lhe, como se sonhasse, uma raiz de [-] e uma polposa romã. *|* consentiu sabores, línguas e pedúnculos. Lírios e alcaçuz. Melissas e orquídeas. Bulbos e remoinhos de papiros d’África. A raiva da irmã. Juncos e flores inconspícuas. Vetiver e sementes. O homem que fugira sem a falbalá que sujara de lama ao correr atrás dos {}. Que já não amava. Que já não derramava em si nenhum segundo. Franziu os olhos e os fixou na @. Sua secreta e parca resina era água de patchuli ... um credo franzino, uma entrega – de *|* prorrompida em hastes felinas e seivas esguias.


A partir do original publicado no Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=5142


Tela da autora.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Me ninas dos Olhos



Me ninas dos olhos

“A nitidez é uma conveniente distribuição de luz e sombra.” Goethe

Resolveu conversar com as pupilas. Não havia como isentar-se dos reflexos – apropriar-se é perder.

Voltou para a rua. Sentiu, secretamente, uma indizível sensação de alívio ao perceber a possibilidade de atravessar grande parte do percurso sem permitir atormentar-se com sentimentos comuns. Multidões de visões perdidas. Afinal, quem assumiria sem o risco do erro, a licença para aferir com exatidão, ou total isenção, o condenável?

Investigou com toda a suavidade possível, detendo-se nos semblantes, tentando não infringi-los, como se adentrasse em sulcos intermináveis – usava materiais conhecidos e desconhecidos para percorrê-los, acreditando ter desenvolvido, ainda que rudimentarmente, um método eficaz de observação. Não se curvaria diante de nada imóvel, opaco. Altares da alma – assim chamava os olhares – como afugentar aquelas perseguições vivazes?

De algumas pupilas retirou distâncias, sorrisos plásticos, todas as fundições do arco-íris.  De outras, frases inteiras que mais pareciam um enorme luau de estampas confusas e céu.

Era possível ver um imponderável manto de cores e interpretar o que nem imaginava compreender. De modo que lia os olhares difusamente e, retratados na sua incredulidade interior, também seus corações.

Não havia outra aparência que não fosse a que definitivamente se destacava da estranha profundidade de todas elas, pela simples razão de não haver razão para serem diferentes do que realmente eram.

Havia um par, pulsantemente castanho e singular, que conseguiu prendê-lo, talvez, por toda vida: o que vagava dizendo-lhe o que via sem nada revelar, e que o fez absorver-lhe a voz com selvagem interesse: “Sou a dos sentidos de cristal, a afortunada sofredora que tem à sua frente o rol das futilidades repletas, a que nada promete, exceto que haverá encanto enquanto durar o mistério”.

(Desenho da autora)

domingo, 3 de julho de 2011

Marina


Marina
Uma secura afagou-lhe as águas fronteiriças enquanto a alma molhava-se de círculos.
Decantava sofregamente emoções submersas no percurso de ida ou talvez não...
o amor era um engano farto de ser-lhe ...pestanas mudas do choro desencontrado de já não saber derramar-se, a concha arredia desnudando a areia desconexa
o escrutínio intranquilo e definitivo dando-se ao alcance dos contornos, moles, enrubescidos em ápices arrebanhando o redobrar das horas, subindo ao ar em pequenas gotículas de sais dissolvidos em ondulação
...desidratava-se
enquanto salinava o perfume de um nome, a ardência da pele evadindo-se em refulgências geográficas, minúsculas velas de navios pequenos ao pouso de gaivotas gris – exotismos inextinguíveis – a marca não desaparece quando se subtrai o que a originou, ouvira dos nimbos e dos mergulhos marginais.
No outro refúgio onde dominava estranhos percursos, as marés começavam nos primeiros dias de si – o transcorrer dos anúncios próximos do oceano – e haver como obtê-los, sons e sentimentos, ah! os divisores de águas de onde vêem as lentes alucinadas da invenção – não entender o que se fora
...sobrevivia em percalços lábeis, desaparecidos numa qualquer intacta memória.
Para além da emoção, a inércia vigorosa ...fractal.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Passos


 

Um painel de pano descendo do teto. É neste espaço artesanal que se gravam as intuições, o surreal dos passos. Passos de antanho e de agora, de amadurecimento e frescor indeléveis.

As flores voláteis e douradas são a estrada de Alice. Depois vem o convite ao mar, num quarto pequeno, o buquê, natureza viva. No quarto maior onde a mãe dorme, a miragem, e novamente, em duas nuances uma linguagem de flores, o claro obscuro em escorridas e femininas liberdades. No corredor o lugar ao léu, a lagoa com três patinhos mansos.

Tem outra cena de lago e ocas ao poente lambendo a crueza das paredes.

O leite no escuro na sala da máquina de costura velha comanda outra vez a dança das flores junto a estante de ferro. Na cozinha os frutos suculentos da época. Em seguida, o novo do lago - não há como não refugiar-se nas águas - reflexos e beija-flores.
O que é isso que a desordem da vida pode sempre mais do que a gente?(Guimarães Rosa)

E os olhares urbanos aguardam algumas das que serão as últimas pinceladas.




Foto- Ariel Tavares