quinta-feira, 14 de junho de 2012

Estação Violeta


Estação Violeta

Cada ser possui o próprio tempo e o tempo possui todos os seres.

Por tantos dias seguira sem surpreender as surpresas, não houve como evitar, nem teria razões. Fora sem ir. Caríssimo. Formal, gostava de o ser em determinadas ocasiões.
Apesar de tudo, dava-se à entrega quase não havida. E lucevam le stelle. Como carícias perdidas. Olhava para a esperança que lhe antecipava silêncios sonoros, como todos os pássaros insones, enfatizando no canto calado, o prenúncio da noite quando fingem adormecer.

Nesse ponto os labirintos o confundem ainda mais. Engole uma pílula. E outra. Amanhã certamente diminuirá a quantidade e estará mais lúcido que as tonturas. Será mais fácil subir a escada, e poderão falar-lhe alto que não lhe importará em nada. Ouvirá com o mesmo prazer com que ouve os luares maiores. Mas por enquanto lhe é tão agradável o silêncio... e tão morna a solidão que nem o frio lhe faz  mal.

Um anseio teimoso arrebata-lhe os olhos – o tempo demora passar para quem espera, dói àquele que o vê ansiando que passe depressa. Vive o calor que trafega pelo frio e lhe diz que continuará. Queria que deus o alcança-se. Primavera dentro ao menos com o calor confortável das flores. Pergunta-se então: por que o alcança justamente quando aprende a não ser Deus?

Para si é tão real o anjo que imagina: “...é como se pudesse tocá-lo, e toda vida foi só isso que eu tive.” Como num passado recente quando as nuvens sem forma o quiseram levar para lá do mundo, disse não, que apenas ficassem consigo, e lhe amainassem de leve a cabeça.

Cerrou os olhos e quis serenar. Se não fosse ele palavras não expressas naquele momento: um patchwork de confusões distorcidas. Permitiu que não houvesse despedida –  e todos os instantes renovados de fúria, atônitos, vasculharam-lhe as onipresenças iniludíveis.

Texto do livro "Entre as Águas"
Foto by Tere Tavares