sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Beleza: guia de procissão


Beleza: guia de procissão

Estás só e isso te enjoa
Porque tua recompensa é uma entranha
Que engana a gema da tua vaidade
Queres a prole e tens a gana
Sabes do pó? Da partícula? Do neutrino?
Tantas mentiras sem necessidade
Dintéis por levantar
"A felicidade é uma recompensa para quem não a procura"
Segredou-me Tchekhov
A tua lavra te verga
Rejeitas o que te perfuma
Sabes das pétalas? Do quanto elas são honestas?
Fala da flor, do lodo que sustenta a Lótus.
Please! Fala do não dito e cala.

Here too: http://esteeodardo.blogspot.com.br/2012/10/beleza-guia-de-procissao-estas-so-e.html

domingo, 30 de setembro de 2012

do arco ao círculo

 

Do arco a círculo 
a nudez das palavras
a dança do silêncio
o desfolhar dos olhos
o cio mudo dos cílios
o sol a soltar-se entre os lábios 
na transparência das libélulas
a mira eufórica das bétulas.

 
http://esteeodardo.blogspot.com.br/2012/09/do-arco-ao-circulo.html 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Suminha


Dos degraus junto à calçada prorrompiam papéis e folhas varridos pelas lufadas de ar, prenunciado a torrente que se aproximava. Sob a leveza das malhas de algodão aguardava os pingos da chuva que lentamente lhe umedeciam a pele, o fôlego palpitante, apoiado por uma hachura decidida.
Caminhou ondulando as pernas, apreciando o tremular das gotas como um afago de nanquim que lhe retirava as ardências do dia.

Largou os sapatos encharcados junto ao chão luzidio da casa – a janela debatendo-se contra o vento numa cantoria estridente. As paredes lhe ampararam o cansaço. Via-se no debrum da água que a banhara como se só naquele instante realmente valesse a pena desvelar-se.

Os livros que carregava no colo amaciaram a mesa e as transparências da sala. Largou-os como quem liberta retratos de outrora, recolocando-os novamente no olhar. Quase perscrutava com exatidão pueril o chilreio das folhas semi-abertas, devorando as capas, os desenhos das capas, tateando: até onde tudo era somente o mosto de histórias, sons desertos, cores aninhadas em outras cores, águas dentro de outras águas?

Buscava rapidamente o ar mais puro e perfeito, como quem se dispõem a arrefecer o frio, a alma disposta sem repressões nos vãos da natureza. O barulho da enxurrada preenchia as fendas rudes da casa, o telhado ensurdecia-se dos pingos desfeitos na cerâmica. Viu-se no desassossego das ações mais simplórias. A louça do dia anterior ainda rescendia à canela e erva-doce. Quantas vezes tomara o chá desanuviada de afazeres para melhor prender-lhe o sabor? Não tinha dúvidas de que se filiaria algum dia, com tempo, ao movimento slow. Pensava enquanto o vapor do chá se misturava à poeira da chuva.

Lá fora para onde resolvera retornar, as flores permaneciam no seu crescimento inevitável. A legitimidade de estar conspirando para além da linguagem lhe parecia a incompreensão de assumir detalhes, a desistência decidindo por uma oposta intimidade apaixonando-se por silhuetas abstratas como se soubesse que, ao flanar sobre as coisas importantes, passassem, essas mesmas coisas a não ter mais lugar algum no mesmo e luminoso mundo que as pensara.  No incomum, talvez mais oportuno e incômodo, longe de superlativos ou relativismos, a lucidez de argüir sobre o que é grandioso ou necessário nasceria invariavelmente da suspeita de não chegar a nada sem a via crucial dos sentimentos.

As pétalas palmilhavam-se de um amarelo descrente, olhava-as, em tintas musicais – colheu várias, sentiu-lhes a seda, como se pedisse desculpas por não considerar-se uma delas.

Pinças de brisa se estendiam na claridade morna, retorcendo-lhe a curiosidade.  Com alívio, retornou para dentro da casa. Amaciando-se na umidade da aragem, desfazendo-se sobre lençóis e travesseiros rebordados de um cetim confuso porque de letras brancas que sobre o negro cansava-lhe o fundo mar dos olhos.

Pensava como se sonhasse... e escolhia retornar à beira do areal, ao menos até o verão retornar, a pele sugada por um farfalhar de asas, em movimento de abraços...bastava-se num colar de ametista, afoita, sulcada pelo que se fora,  quiçá em ramas de mangues, de uma garça que vigiava –  o vento ruminante torcia as gaivotas, tomava notas ao secar-lhe os olhos suspeitando que a sensibilidade das retinas desse em algo possível de prodigalizar.  Adiava as ondas enquanto ganhava novos óculos escuros, as têmporas renovadas pelos filtros duros de lume, da brandura árida que não mais lhe provocava lágrimas. Como se assim pudesse evitá-las.

No lado mais despido da praia o bailado das dunas era um dueto a agigantar-lhe os cílios no rumor sonoro e miúdo do algaço. A vida era real como o vento que soprava a memória dos sais retidos de Suminha. De outro ponto os cardumes contrariavam a correnteza e as redes como se fossem seus olhos multiplicados em cepas e borbulhas, em busca de fertilização.

As mãos restavam finas produzindo fogueiras sobre o mar – repletas de matizes azuis e verdes, a rebuscar a serenidade líquida transportando-a, imensurável, para uma tela qualquer, sem importar-se se alguém diria que era um auto-retrato, um resto obscuro retirado da coloração irresistível dos corais.

Os dedos ágeis como o choro contido nas achas por arder, perfuravam o silêncio, prosseguiam nos mimos hirtos do horizonte, bebia do sargaço, do sumo esgarçado nas bordas dos barcos que mascavam a madeira carcomida pelas cordas da âncora. “Sobe um pouco mais Suminha, preenche o ato duplo dos gestos com o teu verde pueril – há ornamentos suficientes para estilhaçares condições que por um descuido fútil do destino não mais te pertencem. O tato Suminha”.

Retomou os despojos. Alguma coisa sobrara dos rabiscos que ousaram ferir a brancura daquele dia, das polifonias daquele vento, daquele sal, se a preenchessem de mais cor, de mais força – o que havia perdido permanecia em origamis devorados por fungos de esperança – quantos pronunciavam que a experiência não se media entre os dedos, entre o passado e o futuro, tampouco em entretantos.

Suminha do desacato chamuscava os feitiços luminosos, não suportava a idéia de submeter-se por mais tempo ao torpor. “Que cores acordam-te mais a música por dentro Suminha? Assim, na umidade? Que rio te quer decantar esse azul-vermelho-débil-verde”. Dá voos aos beijos azuis, lava a lama das asas, o corpo fenece, lúbrico, como se moldado pelas águas que lhe caíram do céu, na face, na secura febril dos olhos, o azul fiel lhe dá guarida.

A xícara de chá é óleo, medium, piano, tecido. Agora sentia o sabor, controlava as gotas, recriando-se, diluída do silêncio, na leveza de esvaziar-se no que lhe agradava. O peso leve da louça era igual ao da vida, da sua vontade que enfeitara feito Penélope cega, partituras dispostas num circuito infalível... a limpidez dos nadas que carregava como adornos. Dos engenhos orquestrados, das teclas, das paletas. Demais o que desconhecia, era desnecessário dispor ...os azuis salpicavam-lhe os cabelos, como pincéis de outono musicando-lhe o que, independente de solicitações, concebera para o mundo – Suminha é a multiplicação assídua dos sons suspensos na memória, na umidade lídima de cada segundo que ensaia abrir-se no horizonte.

Conto do livro "Entre as Águas" publicado no Portal Cronópios:
http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=5484
http://diversosafins.com.br/?p=2957
Imagem: Renoir - Mar


domingo, 19 de agosto de 2012

Ipês de uma rua desabrigada

Queria celebrar as flores
Cumuladas de ternura forrando o chão.
Abriram-se as pedras nos confins marrons
Para derramarem pequenos sóis
No caminho das mãos.
Passai pelas complacências do meio.
Do retorno do que não há.
Um pouco de terra e ar do ontem que invade
A infinitude de saber-se finito e odiar essa verdade.

Texto e Foto By Tere Tavares

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Enchentes



Enchentes

As poças tranqüilas da calçada espelham o remanso cioso da recente chuva.
Minha imagem se acalma por entre as neblinas. E se encolhem resquícios de uma precoce primavera. Setembro vem com gosto de agosto. E uma flor na coloração de uma rua escura de pessoas escuras de noites escuras.

Uma rua que das flores seria derme da flor não foi o derramado pólen
e disso se ria mais que uma dor atéia que tateia e, 
se preciso,
tatua inteira meia lua cheia.

Foto e texto by Tere Tavares

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Contologia e Poematologia- Portal Cronópios e Arraia Pajéur BR 4

http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=5441

Editor: Carlos Emílio C. Lima

Organização das antologias: Carlos Emílio C. Lima, Cláudio Portella e Pipol.

Projeto gráfico: Augusto Oliviera e Carlos Emílio C. Lima.

1) Veja a lista completa dos ficcionistas de todo o país incluídos na Contologia Portal Cronópios/Arraia PajéurBR:
TERE TAVARES, MAURO PAZ, VALTER FERRAZ,VERA HELENA ROSSI, RAFAEL SPERLING, ELEONORA DUCERISIER, PEDRO COSTA REIS, JOSÉ ANTÔNIO CAVALCANTI, MÁRCIA BARBIERI, LEANDRO MAYFAIR, LETÍCIA PALMEIRA, WILAME PRADO, FILIPE JARDIM,WALDEMIR MARQUES, EMÍLIA BARBÉS, UDO ...BAINGO, AFONSO JUNIOR FERREIRA DE LIMA, ALEX SENS FUZIY, DOUGLAS EVANGELISTA, ALEKSANDRO COSTA, DANIEL LOPES, LARISSA MARQUES, AMANDA VOX, CAMILA FORTUNATO, LUAN MAITAN, IVAN GUARDIA, WALTER SOLON, IGOR FARIAS, DANIEL MATOS, TAMARA COSTA, MIRTES LEAL, ÁLVARO DIAS CUBA, RONIE VON ROSA MARTINS, AIRTON UCHOA NETO, NINA RIZZI, JULIANA FRANK, ANDRÉIA DONADON LEAL, SUELI MAIA, MILENA MARTINS, PAULO MOHYLOVSKI, HUGO CREMA, EDUARDO SABINO, TIAGO BASÍLIO DONOSO, POTYGUARA ALENCAR, ANTÔNIO ALVES JUNIOR, GUILHERME COBELO, EDUARDO SIGRIST, MARCIO G. PERFETTO, JANA LAUXEN, BRUNA G. GALVÃO, SHEYLA SMANIOTO MACEDO, ADRIANO DO VALE, PEDRO COSTA, DANIEL FERREIRA, LUCINEIDE SOUTO, JONATAN DOLL, EDUARDO ESCARPINELI, GLAUCO LEANDRO, EDSON COELHO.

2) Veja a lista completa dos poetas de todo o país incluídos na Poemantologia Portal Cronópios/Arraia PajéurBR:
BRUNO MOREIRA, EUNICE BOREAL, TOMAZ AMORIM IZABEL, ANDERSON PETRONI, MARCOS VINICIUS ALMEIDA, RENATA DE ANDRADE, ÂNGELA CASTELO BRANCO, NATHALIA RECH, OTAVIO RANZANI, ERYCK MAGALHÃES, VANESSA CAMPOS ROCHA, MÁRCIO ARAUJO, JOÃO NICODEMOS, NYDIA BONETTI, CLARICE LINDEN, WENDER MONTENEGRO, RAPHAEL BARROS ALVES, EMANUEL RÉGIS, ATHOS GUIOU, TALLES MACHADO HORTA, LUCAS DOS PASSOS, MARCELI ANDRESA BECKER, MARCELO DONATTI, FLÁVIA IRIARTE, CAROLINA CAETANO, WILSON TORRES NANINI, CHICO PASCOAL, GABRIELA MARCONDES, ISAÍAS FARIA, DARLAN M.CUNHA, GERSON CHAGAS, GRUPO POENOCINE: ARIANE ALVES DOS SANTOS, JONAS PEREIRA SANTOS, LUIS FELIPE DE LUCENA JUNIOR, MICHELL FERREIRA, PAULO SPOSATI ORTIZ E SIMONE SPILLBORGHS; MURYEL DE ZOPPA, ANA F., LÉO MACKELLENE, IVALDO RIBEIRO FILHO, DEMETRIOS GALVÃO, YLO BARROSO, MARCELO BITTENCOURT, RODRIGO VARGAS, REINALDO PIMENTA, CHICO SOMBRA, LUIZ VALADARES, KILITO TRINDADE, RENATA FLÁVIA, TITO DE ANDRÉA, CARLOS ALBERTO, TIAGO ALVES, ALUÍSIO MARTINS, AUGUSTO DE GUIMARAENS CAVALCANTI.

Leia o prefácio das antologias que vem assinado pelos escritores Carlos Emilio C.Lima, Claudio Portella, editores da revista Arraia Pajéur BR e pelo poeta Pipol, editor do portal Cronópios:

A REGIÃO SIMULTÂNEA

São cerca de cem autores pra lá de revolucionários e inovadores que participam dessas antologias. Estamos com um imaterial literário e ímã poético digno e maravilhoso nas mãos, quase inigualável, sem nenhuma dúvida só comparável ao que se fez e escreveu no momento pré-modernista que precedeu e se instalou naquele faixa de tempo que ressoou entre a Padaria Espiritual do Ceará brasileiro no final do século XIX e a paulista e também brasileira Semana de Arte Moderna do ano 22 do século XX passado. É o expresso 2222 da Central do Brasil que partiu direto para depois do ano 2000 que chegou agora mesmo em 2012 aqui apitando suas mensagens de uma grande colheita de novas imagens nunca vistas antes... Seus passageiros alucinados, todos esses escritores e poetas, viram coisas que jamais ninguém havia visto, acessaram das janelas loucas do trem de éter em que viajaram paisagens que ninguém antes avistara, realizaram uma viagem que ninguém havia feito antes, foram a lugares estranhos, que ninguém também havia descrito dessa revoltada maneira, eles trazem os recolhos e as lembranças futuras do que ainda não vimos, sentimos, percebemos, captamos, do que ainda vamos ver, do que agora vamos ler. Trouxeram, aos que vamos ler agora no papel impresso das arraias tremulantes, estão trazendo, as impressões e as expressões de uma viagem além dos territórios conhecidos. E falam uma linguagem escrita de um povo profundo, meio aérea submarino enigmática que aprenderam poderosamentedurante o percurso de cartografias exuberantes. Beberam de tudo e buscaram em todos os meios e mídias e todas as linguagens das artes e das ciências uma síntese renascente, um viés. Esses textos são o veículo expressivo 2222 que há muito pressentíamos. A acrescentada lágrima humana de alegria do sol. Nos trilhos moventes infalíveis da poesia ele chegou, esse novo tipo de trem, suspenso, multidimensional, com olhos calmos de furacão, azeitado de luzes eletrônicas da natureza (foi a natureza que criou a eletrônica através do homem) e cibernético de almas, ruflando sonidos de dançarinos sentidos, apitando os novos céus, emitindo as outríssimas formas com os seus faróis de juventude estelar. Luz verde estremecendo as mentes para ajustamentos a novas significações de modos de dizer, de escrever, cantar e narrar. Novos gêneros literários aqui foram criados. Galáticos-arbóreos. Nada obedece a qualquer padrão anterior, na maioria desses textos. Esse fluxo, essa potência, essa força poética que aqui vai se avolumando nestes livros triangulares e giratórios nos faz navegar por mundos bem mais que inesperados . Não é uma brincadeira. Vão se abrindo eclusas de um outro tipo de tempo além do quântico, de uma nova linguagem poético-narrativa com o lançamento destes livros junto com a nossa cósmica pandorga Arraia PajéurBR 4 em conjunção cronopiana. Lemos todo o material das antologias com a mais surpreendida atenção e só podemos comunicar aqui a todos vocês o nosso deslumbramento, o nosso espanto total pelo encontro do completamente inédito, jovem, florescente, do irradiar do anteriormente inimaginável, daquilo que ainda não existia de modo algum no horizonte do imaginário habitual a que estávamos acostumados a lidar num antigo mundo cerceado, cercado, azedado e domesticado, manipulado por grupos,esqueminhas, falsas elites literárias, linguagenzinhas da moda, grupinhos étnicos exclusivistas, modismos filosóficos, tendências estéticas impingidas pelos rebeldes anexos do sistema e baixos interesses, através de uma mídia esclerosada, mercantil autoritária e parcial por sua própria natureza, em sua maioria, com, obviamente, as afáveis exceções de praxe, representante de poucas pessoas, entidades e corporações de nenhum modo interessadas no coletivo e no verdadeiro imaginário. O que estávamos antigamente, anteriormente acostumados a ler na maioria dos textos, contos e poemas e nas antologias até bem recentes da literatura dita brasileira já não se propaga nestes livros de nossa revista asa delta, vela marinha de pássaro da imaginação. O novíssimo desconhecido surgiu agora aqui mesmo, pulsa, emite e está emanando neste portal. E tudo por causa da internet, este trabalho de Cronópios e de alguns outros poucos sites e portais literários congêneres deste o início do século. Não sabemos ainda porque nenhum crítico literário se debruçou até agora sobre esse material riquíssimo publicado no portal literário Cronópios, a região multisimultânea de toda uma época da literatura nacional. Por esse motivo essas quase antiantologias agora afloraram no papel, chegaram ao tato das mentes e mãos dos leitores deste país.Cronópios é o portal cultural que tem mais trabalhado e construído nestes anos recentes as flechas dos sentidos de uma real difusão, desdobrando diariamente há anos o mais célere e completo panorama literário contemporâneo, este tesouro que a velha mídia oprimia com seus renitentes cardeais, tornava invisível, tentava de todos os modos sufocar, esmorecer, enterrar, literalmente. E ainda tenta e retenta. E muitas das paquidérmicas editoras antinacionais evitam publicar. Estas antologias vão mudar o eixo da literatura brasileira.
Foi o Cronópios, de fato, o portal que rompeu, neste oito anos desde sua fundação, o bloqueio editorial e midiático que se fazia ao verdadeiro imaginário deste país, ao coração amoroso infinito do povo brasileiro. Este mesmo povo que ainda vai surpreender o mundo. Esse papel (eletrônico e anímico) desempenhado por Cronópios e MnemoZine, revista que lhe é agregada, já é bem reconhecido. Isso já se inscreveu nos pixels da história da cultura brasileira, de um modo indelével, marcante. Faltava, somente, a publicação desses livros, talvez os primeiros livros triangulares do mundo (e se não forem, serão) que a ArraiaPajéurBR agora transporta e distribui. Faltava o selo, a materialização impressa, bela, do projeto, a união dos esforços de todos em uns livros mais do que concretos.
Estes livros triangulares giratórios rompem, finalmente, com sua força inovadora, o bloqueio editorial, cultural e mental que oprimia a literatura brasileira nesses trinta anos de reinado estéril e brutal do neoliberalismo e da manipulação midiática que asfixiava a imaginação do país a níveis mesmo insuportáveis. Que a gráfica poesia que esta revista e seus livros triangulares giratórios emanam esteja à altura do material imaterial, intrinsecamente espiritual que transportam: a nova literatura brasileira que com seus novos flexos e nexos reencantará o mundo, trazendo-o de volta a si mesmo. FRISSON NOUVEAU! Há um valor criativo ascensional nesse momento mágico. As comportas musicais de energia cósmica da imaginação literária foram reabertas por todos estes autores com suas linguagens inesperadas, seus dizeres imprevisíveis e renexos belamente enigmáticos do que ainda não pode ser configurado porque é a surpresa de inusitadas dimensões. A outra forma da Lua mostrou-se! Extraordinários aportes de uma poética renovante que vem flutuado no bojo emplumado do século XXI. Réstias de horizonte regraduando-se de outras escalas mentais abrindo suas pálpebras... luminascentes... Não se trata apenas de uma nova geração, mas de uma nova geração de linguagem que faz pousar um outro espírito distanciando-se criativamente de toda uma época que morre, que já vai pós-tarde. Uma nova linguagem, a internet, só teria que revolucionar a linguagem literária. O maneirismo pós-modernista foi abandonado para sempre.
Certas características ,traços, evidências saltam aos olhos dos olhos na maioria desses textos que não são contos, não pertencem a uma etiologia da forma tradicional requerida pelo conto.Mas como Mário de Andrade, parodiando mediunicamente a Duchamp disse que conto era tudo aquilo que o autor quisesse chamar de conto, podemos dizer que aqui nesses livros triangulares todos os novos gêneros já foram gerados e que nada aqui é mais conto, nem capítulo de romance, lista poemática, poema em prosa, proesia, fricção de ficções, bula poética , roteiro onírico de cinema para a mente, mesclas, escrita-viagem. Os velhos gêneros evaporaram.
Se alguns autores narratizam a historia de iluminação , o atingimento da córnea universal, da mente espacial simultânea coletiva , vai-se evidenciando pelas frestas das frases desses textos e poemas que ela chegou ,multiaplicada, nos autores aqui reunidíssimos
E os títulos, são poemas por si só, nem precisam ser outra coisa que não títulos, de uma vez. Mas os autores são vorazes em suas miltiplicidades. Todo mundo jardina em muitos territórios aqui, faz muitas coisas, pós- fotografia, musicapaisagem, teatro para içar o fundo do mar , dança pós-quântica, fiosolfias, ninguém fica parado estatelado numa atividade só, nesse ponto todo mundo aqui é renascentista, mexe com ciências, artes, esportes metafisicos,mexe com tudo se interessa; e por causa disso, porque é hábil em muitas linguagens faz profundas reformas na arte de narrar e na arte da poesia... Um tecido de fios de horizontes são estes textecidos.São textos que vieram do futuro mas aí a turma que viajou no tempo cuja máquina fofa é a literatura resolveu fazê-los aqui neste presente até pra picotar, espantar de um jeito tao a realidade velha antiga que estava ficando chatíssima de tão pós-moderna. MUDARAM TUDO.
E quando há histórias elas aqui retornam com um fantástico com mais ambiguidades, ambivalências. O pessoal estribilha os contares, faz grande painéis pintados na forma das letras de música fotograda como se do alto , imensas canções escultoras escritasdramatizadasfilmadas em grandes espaços letrados pela mente câmera clara em prosa mergulhada ascencionada. O povo brasileiro assoprou fundo aqui no material: as vogais fluem, libertas, as consoantes levitam, as vírgulas se dissolvem, dissipadas voam das frases, chega um vento claro do horizonte-fronte, frases poéticas sincopadas, meio cantadas, cromatismo rítmico .Desengachou ,soltou-se ,subiu a pipa, a arraia da escrita leve. O antigo muito pesado ficou lá no chão, algo estalou inesperadamente fora das mãos. Agora muitíssima poesia passeia, nunca mais é prosa seca. O pessoal aprendeu com o mar, com as chuvas, as enchentes, os relâmpagos eletrônicos, as grandes marés urbanas das cidades desiguais.
Todo mundo aqui, a maioria, saiu da mesmice, de um falso círculo mágico realista que parecia obrigar a uma linguagem sem poesia quando o assunto se imantava “real”. Estampejam desamarrados dos textos-moldes antigos, das prevaricações de um falso realismo urbano , esses textos viajam levissismos, às vezes faltam uns artigos definidos, um advérbio risca a página, estranha, não desgruda mesmo da frase. Não importa. Se. Ele é, cintila bem assim .O céu alaranjado –amarelo dos alquimistas taoístas foi previsto à caminho em muitas dessas frases aqui, destes poemas. O realismo disse adeus aos véus, dissolveu-se em retorções geladas, esfarinhando-se numas, em vertentes flexíveis inovantes, nessas sintaxes mutantes,” suja de cidades”. ”Cada um no seu século ; o palavreado muda”
A antíteses, os paradoxos, os oxímoros, os estribilhos-pontes, agora estribrilhos, as repetições até à lua, as cadências, a musicastralidade das frases já é um alento ao realismo transcendental dos textos, palavras escritas numas sintaxes tremuladas demais por milhões de influências de todos os tempos e de todas as direções, novas gírias, expressões recém-saídas dos princípios ainda nem acontecidos.
E todos os começos são incríveis, nenhum autor começa igual ao outro, gente que mergulhou emcinemamusicateatroliteraturaartesplasticasfilosofiafotografiafisicaastronomiaoceanografiatempestades e saiu com os olhos alterados de dentro de tudo isso, gente bem humana, com seus contos pós-vocais e poemas pós-mentais.
A maioria desses escritores já teria desistido, em uma outra época , aos primeiros esboços de recusas das editoras do velho tempo pré-web. Há muita e lindíssima coisa boa aqui que não teria tido vazão, acaso ainda mandassem no espaço cultural da literatura as editoras tradicionais de papel. Graças ao Portal Cronópios não foi assim, não ficou assim. Essas antologias são a prova disso. Quase todos os autores, poetas eficcionistas, nesses livros triangulares são muito jovens e porque fazem e conhecem de tudo como mestres de uma movíssima, novissima e vivíssima contemporânea Renascença, um lirismo inédito aguaceia por aqui. O pessoal voltou a poetar com invenção. Mediunizou-se de novo. Só vai entender bem o que fez daqui a cinquenta anos, se.
Um Remodernismo na poesia, porque novas formas de poetar são aqui inventadas, ecos de outras não-métricas reboam nas superfícies de telas mui apuradas de tão novos modos de sentir. Estamos todos chegando junto com estes poetas no interior dos olhos herméticos e belos do furacão, estamos todos nos ajustando, correndo levitando para o interior da grande mente coletiva de uma nova era. Dessa vez é verdade. São arquétipos-móbiles, Calder, as palavras estão contentes.
As imagens voltam de voos, rompem as águas paginadas das telas de cinema, re-voltam. Não mais há aqui imagens falsas, de estúdio. Uma nova ética poética. A poesia remove as coisas coisadas demais, as velhas coisas, aplaina o terreno. Às vezes, o poema cristaliza- numa casulo-segundo, um relato meio como se com os bordos vaporando, ilimites flanando ruflando uivando, nos ouvidos invisíveis de poesia. Quando tem mais uma música que não pertence à audição a gente sabe que é mais do que prosa, que é poesia. É que ressoa. O céu do eu.
Ainda vão ter que inventar tantas teorias para embalar essas novas frequências poéticas!
Ah, vale ainda dizer que aqui ninguém tem medo da mitologia, do tonal, do astral, do superastral, do grande amor...Das estrelas-reticências...do piscapiscar...
Há uma felicidade aqui. O pessoal desbastou, o pessoal encontrou...

Carlos Emílio C . Lima
Pipol
Claúdio Portella

Lançamento em São Paulo, dia 17 de julho, às 19h30
na sede da FUNARTE em São Paulo
Alameda Nothmann, Nº 1058 – Centro. Próximo às estações Santa Cecília e Marechal Deodoro do Metrô.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sobre uma nobreza duvidosa

Sobre uma nobreza duvidosa

Um par de sandálias tingidas à mão, acompanhado de outro par de sapatos de couro de crocodilo vermelho – comprados numa dessas liquidações, por mero consumismo, ou sucumbência do tédio – na robustez de um fluir que insistia recrudescer num monturo de falácias, abandonaram o peso das caixas e desenharam um losango sobre os lençóis morenos. Quanto pode confessar o que é suprimido?

A mulher era adepta ao Feng Shui. Criativa, quase demente. Fazia arrumações seguidamente, livrando-se das coisas que não usava nem viria a usar. O vestido de seda ficara confuso por um tempo maior, talvez numa ilusória tentativa de manter vivas as coisas imponderáveis – com o tempo são outras as noções do que se deve nutrir – transformou-o num lenço para colorir o seu pescoço de garça. Dos retalhos surgiram quatro ornamentos em forma de mariposa e dois em forma de estrela de Davi. O azul, potencialmente calmo, evitaria agitações – aprendera no portal cromoterápico. O desdém de algumas bijuterias, cujas memórias já não exalavam nenhuma paixão, ganhou o cabaz das doações.

Porque era necessário afogar-se num pequeno oásis, nalgum perfume de engano onde não se confundiria transportou-se para os abstratos. Sem perscrutar, displicentemente exposta, cerrando os olhos, não para impedir sentimentos, mas para depurar tudo com maior concentração e rapidez. Revolveu as folhas compactadas e quase inertes dos pensamentos infalivelmente expressos e acarinhados. O contorno das pálpebras já não é o da menina que lhe singra as portas da alma. Pautas a sabor de erva-doce – a força e a mobilidade dos desejos: “E esse inverno, cruel e necessário, que enrijece a fluidez dos rios e adormece as flores das plantas. Embora sejam perceptíveis os seus brinquedos e verdadeiras as suas dobraduras, não sei o que é o tempo, nem o que posso alcançar sem ele. Diante da inexorável sonolência que não dividirá o cansaço dos meus olhos, do que não piso, tudo é insônia e excesso de voz, química e loucura. Inquebrantável é o gigante que persigo ao largo desse aramado. Enquanto houver um suspiro roçando-me a fronte, enquanto forem enquadráveis os ângulos do absurdo, toda a via será meio falsa, meio falange, meretriz por essência.”


Texto do livro "Entre as Águas"
Fotos: Ipês- by Tere Tavares

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Estação Violeta


Estação Violeta

Cada ser possui o próprio tempo e o tempo possui todos os seres.

Por tantos dias seguira sem surpreender as surpresas, não houve como evitar, nem teria razões. Fora sem ir. Caríssimo. Formal, gostava de o ser em determinadas ocasiões.
Apesar de tudo, dava-se à entrega quase não havida. E lucevam le stelle. Como carícias perdidas. Olhava para a esperança que lhe antecipava silêncios sonoros, como todos os pássaros insones, enfatizando no canto calado, o prenúncio da noite quando fingem adormecer.

Nesse ponto os labirintos o confundem ainda mais. Engole uma pílula. E outra. Amanhã certamente diminuirá a quantidade e estará mais lúcido que as tonturas. Será mais fácil subir a escada, e poderão falar-lhe alto que não lhe importará em nada. Ouvirá com o mesmo prazer com que ouve os luares maiores. Mas por enquanto lhe é tão agradável o silêncio... e tão morna a solidão que nem o frio lhe faz  mal.

Um anseio teimoso arrebata-lhe os olhos – o tempo demora passar para quem espera, dói àquele que o vê ansiando que passe depressa. Vive o calor que trafega pelo frio e lhe diz que continuará. Queria que deus o alcança-se. Primavera dentro ao menos com o calor confortável das flores. Pergunta-se então: por que o alcança justamente quando aprende a não ser Deus?

Para si é tão real o anjo que imagina: “...é como se pudesse tocá-lo, e toda vida foi só isso que eu tive.” Como num passado recente quando as nuvens sem forma o quiseram levar para lá do mundo, disse não, que apenas ficassem consigo, e lhe amainassem de leve a cabeça.

Cerrou os olhos e quis serenar. Se não fosse ele palavras não expressas naquele momento: um patchwork de confusões distorcidas. Permitiu que não houvesse despedida –  e todos os instantes renovados de fúria, atônitos, vasculharam-lhe as onipresenças iniludíveis.

Texto do livro "Entre as Águas"
Foto by Tere Tavares


domingo, 13 de maio de 2012

À moda de Iara



À moda de Iara

"É difícil se abrir, mas quem disse que é fácil encontrar alguém que escute?" (Cecília Meireles)

Despretensiosamente, dava campo ao ímpar redesenho do efêmero – a linha da transitoriedade – algo em que é possível crer, um sim contínuo para demorar-se no reanimar dos espelhos, reconhecer-se e novamente navegar a existência – quando desapropriada de si fosse toda gente, e todo “eu”.

Haveria como não pensar? Luzir sem verter? Embriagar-se de índoles e indulgências onde construções e intuições fossem capazes de mostrar sem exibir, onde não se relegasse o ritmo ao vazio, com tantas estranhezas quanto há estrelas no céu?

Solitariamente perambula em águas incômodas, tiaras de aguapés. Não quer ser apenas técnica ou sentimentos com o propósito de se tornarem egoisticamente inesquecíveis, grafismos inelutáveis dados ao tropel dos ventos, qual oblações irrefletidas cujos desígnios nada comandam.

Agora é quase uma auréola a confessar-se surpresa com o descanso de ocasos fugidios, a dúvida e a ineficácia da culpa – quiçá uma fórmula de driblar o confronto e a verdade.

Que fosse algures enfático... se deslindaria em consentimentos – quem não parte ou nunca diz adeus, que assassino não se diz repetidamente inocente?

A veste desnuda imita o amor quando não escolhe formas ou defensores. Há que vivê-lo somente, imperfeito, com a lucidez habilidosa da escuridão, como se nada restasse – nem os personagens.

Silhueta altiva, Iara, como a urgência das macieiras, rotunda, serva de igarapés e ninféias, quase igapó, como se acreditasse ou soubesse de antemão todos os segredos e ainda assim afirmar multiplicar-se – entre experimentar e adquirir – um rio obsequente.

Mestres sabem calar... segregou o leito dos veios às manobras das falésias.
A menos metade é agora uma necessidade irreprimivelmente líquida, socorrendo os sentidos com uma sinceridade oblíqua. “Quando eu vier não ouvirei além do que me interessa.”

O sol se estendia ma finura da chuva que assomava correntes maiores, como um vício de verbos extasiados no olho dos fios de água. ”Não os posso ver abandonados. É como se ao retomá-los me retomasse num fulcro inolvidável.” Quanto às pedras, se pensavam ou ouviam vozes – não eram diamantes e não soavam falsas em nada.

Reconhecera a fluência do que lhe correspondia. Sem sumir, ou obscurecer. Sem objetivar ou premeditar. Na claridade obstinada que doava, obtinha das faces dos olhos o curso das águas que, fatalmente, se aglomeram no mar.

{Texto do livro "Entre as Águas"
Tela "A Miragem" - OSB - 60x80 2006
by 
Tere Tavares}

sábado, 24 de março de 2012

Quando a água é também a terra



Quando a água é também a terra

Não viram nem perguntaram se estava com fome, tampouco sentiram piedade ou qualquer sentimento semelhante; o dessemelhante simplesmente não sente.
Veio o irrefreável desejo de saudar a despedida, como um presente sem destino – a santa armadilha de ir. Ou vir em orlas de silêncio para não destoar do hipocritamente calado. Escusas de uma inquebrantável estrutura por debandar. Havia sobre ela óleo e grafias tão sutis com erros desveladamente sussurrados como para arrematar o infinito feito a seivas e desertos.

“Onde fui que não mais me vejo? Onde estive cá dentro a pestanejar a madrasta que me dá esses filhos? Perdi-me na fatalidade que não quis. Fiz-me na fúria involuntária de um hino estridente – a balbúrdia a que chamam de chamados. Eu derramo essa chuva de escarpa porque talvez o futuro não exista senão oculto nessa descrente esperança”.

Onde sobra escassez não falta divindade a par de tornar-se – estrelas puídas viram aplausos para dissuadir o sossego. O dia trará a noite e suas alças intratáveis, a noite premeditará o amanhã e o sol nascerá como sempre para desejar outra coisa e segregar razões, para redimir o torpor que calará o corpo e assomará do irrecuperável  um futuro menos abissal, junto ao sal, quiçá, junto a nada: “Não existisse o amparo nesse teu ombro, em que fulgor repousaria os meus pés que insistem em não penetrar-me a fala que se solta em três silêncios, vinte e um mil intervalos. Que seria do meu alvorecer se não houvesse nele olhos sequiosos de ti, que diria a minha pele se sobre ela não pousasse a voz das tuas mãos? Deus não me faria entrar num lugar onde não fosse possível a Sua proteção.”

Foram-se os guardados, a vontade imersa seria para longe, algo que lhe poupasse um pouco as estranhezas que carregava, mas não apenas isso. Dois patinhos na lagoa: uma data como outra qualquer. Nenhuma lágrima brotou. Nenhum sorriso. O tempo e seus duendes irrequietos mereciam um novo itinerário. A mão acalentada junto ao peito. A solidão impreterível e sábia teria todas as horas de um aqüífero rosado.  Como antes, como sempre. O olho ávido não subornava nada, ninguém. As águas concentradas no curso antigo, vago. O cheiro de resina vogando em tudo sem causa ou crença. Um pacto. Um fato. Uma casa em outra rua. Um quarto vazio. Maior. Um coração alegre e ditoso.  No centro. No meio. Sem fim. Mas não sem finalidades.

 Brilhou ao saber que não havia nada maior que sorrir ao divisar um horizonte talhado de pássaros, como painéis entretecidos na renda dos fios de Ariadne. Não rejeitaria a semente cujo desejo era tão forte quanto à gota que lhe daria os brotos, as raízes... os denominadores inesgotáveis das estações aceitando brandamente  novas semeaduras, cada instante que sonhasse ser tempo no ensaio da vida.

As razões das águas são livres, como é liberta a sede que não cede enquanto não saciada – o feitio das orlas, de todos os remos e barcos por conduzir. Nada comparado ao bálsamo das lezírias recostando-se no buliçoso remanso do que é comumente esquecido.

Recorda-se do que foi primeiro, último, perfeito: “Se me vissem não me desejariam talvez sequer olhassem – a vida a escorrer por entre os dedos, supondo que algo surpreenda o impossível para salvar-me do entorpecimento do ânimo num receptáculo ondulado transcendendo àqueles que me desconhecem. Em todas as coisas há vozes confusas, para mim que as ouço demasiado altas temo que seja perigoso dar-lhes conclusões. Não chamarei com o próprio nome o lancinar voraz que me ronda... a alada alma que é minha por não ter-me recusado a adotá-la – não se abandona ninguém quando se conhece o suor do abandono –  tento entende-la ciente de que permanecerá em marés rebeldes, submergidas no incessante desentendimento do meu rosto. Sonhei que sentia frio ou foi o frio que sonhou ter adormecido comigo junto aos corais, a cada sopro  quebrei o silêncio sem machucá-lo.”

Não havia mais ninguém no jardim do éden que pudesse coincidir com o estrondo dos sinais, vindos propositalmente sem nomenclaturas, nas convulsas texturas do tempo – suas misturas de solo e miniaturas de sombras, a correnteza das águas diagnosticando o sorvedouro onde se dobra o que não prescinde ser apenas diferente ou mais que mortal – na diversidade dos olhares saberá qual considerar – no paradoxo incomensurável do mundo que, célere, não suporta indecisões. Um interlúdio entre o metafísico e o humano – o dia não se finda quando a noite inicia.

Detém-se para retornar noutra sonoridade, na orquestra onipresente dum espelho inesquecível, limpo da bruma: “O que fiz do que não fui? Continuo rodeada pela depuração das fontes, suas chuvas ensolaradas. Dando por mim que a divindade mesmo não sendo santa, continua a ser divina. Coberta de lua nascente, ouso onde nada há para retirar além do excesso de perfeição. Como dizer que era eu aquele grão de pó renascido no dorso das águas? No regresso dos ruídos, a rota úmida da cerâmica bebericando a forma, o dom de atemorizar o medo numa feitura apoiada no vento, dourada nas searas, no fluxo da terra remoçada pela explosão sem fim dos rios. Assinando-me de mim mesma”.

Texto do livro "Entre as Águas", publicado originalmente  em:

quarta-feira, 14 de março de 2012

Feliz dia da Poesia



Das linhas antes minhas

perdoai os versos dúbios,
as não-conclusões.
eu me afeiçôo
ao fervilhar das idéias;
induzo e vós deduzis,
insinuo e vós pensais.
ao fazer me desfaço,
ao escrever me despertenço
sobretudo, sobre mim,
instigo-vos.


Monólogos

I

o mundo vai além das minhas dúvidas.
há em mim ramagens estranhas.
diria, tenho nas entranhas, 
todas as árvores do mundo.

admiro a possibilidade que sinto múltipla por ser simples
e, sorrio à que percebo complexa por ser única.

deram-me o amor para existir
e, no que amo, a existência suprema e lenta,
instala seu lume.
e só de plumas é o anjo que me pensa e sente
a jura de alegria com o soluço da mente na boca.

toda minh’alma é um lenço convulso por entre as folhas.

II

as coisas com que falo
têm a voz dos princípios e desertos,
têm todas as vozes dos perdidos,
e me seguem, ouvindo.

me aquieto no escuro
como quem foge ou se esconde
e, neste esconder, cubro-me
de um ser tão ínfimo para o mundo,
quanto é branda a calmaria das horas
a quem tem a eternidade para si.

quando a ausência de tudo está em mim,
sinto-me, em tudo, mais presente.

durmo, e não sei a tranqüilidade santa
de quem, verdadeiramente, dorme.

cada dia é um oráculo que circunda 
e realça o sentimento, e na leveza que me enleva,
vislumbro a sombra que me inunda
e a luz que me sucumbe.


III

a felicidade é um esquecer-se,
um estreitar-se num segundo, 
antes que passe.

o assédio sábio da lua
me investiga as emoções.

falta-me a exatidão de quando deixei de sorrir;
consigo supor
que o perdi na lentidão sucessiva dos dias e das noites.
também não atino quanto se passou de vida,
entre o sorriso perdido e a dor que aprendi a sorrir agora.

sou a liberdade que tem de si o gemido silente,
o gosto de cada passo no descompasso de tudo que vive.


IV

de fato, sinto que existe 
a nesga bailarina plena de vida
e, guardo-a num horto qual hóstia fosse
e, rezo-a, no sigilo da alma,
nos meus olhos de menina.

é tão indelével o que se tem da existência
que em tudo cabem inúmeros propósitos.
não fujo de falar comigo:
se é minha vontade entender-me, inicio por estudar-me.

:#Texto do livro Meus Outros 2007 - 
e Tela À luz dos livros OST 30x40 2006:
By 
Tere Tavares#:

quarta-feira, 7 de março de 2012

Como sabes

Como sabes

Ao relevo submisso do espelho admitiu sem negações outra de si. Sem expressão de noções ou julgamentos. Sem mágoas ou amarguras, isenta de culpa por talvez destroçar-lhes quaisquer ressentimentos. Alegrou a tristeza no segmento de um objetivo ou de um objeto para tudo o que suportava. Intrometeram-se luminescências que se fecharam abertamente nos florescimentos vindos de fora. E persistiam em diversos murmúrios.  Como os dias iguais a todos os dias que ainda submergiam numa loucura feliz. Um acesso exterior e nada para partilhar, apesar do convite – o temor é perdedor assíduo da indiferença – a pior forma de amor que há.

A malha da insônia seria o anzol fosforescente do corpo indefeso. Perto dali morava um cedro cinqüentenário, um canto de corruíra, uma cerejeira onde alguém, com muito zelo, reservara sementes para lhe dar.

Afagou-lhe as pálpebras, os anéis dos cabelos, a face, as formas de pérola. No seu abraço permitiu-lhe o abandono seguro de quem se sente amado.Incondicionalmente. O quarto sempre à sua espera, o quadro de tulipas pousando no coração azulado entre as paredes claras, o ensejo rosado a esperar-lhe o gosto singular, lençóis de algodão perfumados de maciez maternal. Uma ingênua liberdade toldava-lhe a tristeza adormecendo para reconfortar-se no amanhã, com um sorriso corajosamente inesquecível. Sobre uma luz difusa entre singelezas de fogo repetiu como uma canoa flutuante o langor que se perdera numa erva antiga, a cantiga que previa inteira e só por aquela noite a procurara como se soubesse não tê-la. “O inesquecível é o amor que sobra. Para algumas, e só para algumas coisas, que são para sempre.”

Aqueles olhos eram loucos e surdos. E eram também aqueles ouvidos com olhos.  Porque há ouvidos cegos e fragores inaudíveis com olhares: E olhos mudos e lábios olhando as profusões invisíveis ao tato. O paladar pênsil do gesto sem lábios.  Olhar sápido de olivas. E oliveiras repletas de retinas tocando o sol com brumas, com mãos de vinho... “que misteriosos olfatos escondeis além de vós? Precisarei de todos os sentidos ao mesmo tempo.” Ouviu um perfume qualquer que seu coração reconheceu, tocou-o de forma irreversível na escuridão, na proximidade ausente do momento que a prendia até que surgissem os delineamentos de consciência e subconsciência, o desconhecido perguntando se poderia resumir-se. Não com uma resposta qualquer. Tampouco com o retrocesso.

Sobrava-lhe o nada para expressar o mínimo, e não expor estranhamentos a caberem uns dentro dos outros – primaveras com floradas de gelo, verões sendo outonos mornos, invernos de calor a nevar no tropeço das nuvens. As oliveiras misturadas aos sândalos e madressilvas. Flores de laranjeira deslizando pelo tempo, entre as asas dos melros... um mero truque da imaginação, a memória talvez nem sua que se seguia por séculos.

E desse olfato surdo vê a completude indefinida em fractais. Nem tão abstratos assim, a imaginação do gosto lhe saliva a boca. “Não se lembrem de Pavlov. Houve uma vez em que me dei sais. Depois açúcares. Não há nada ou ...talvez alguma coisa aja fora de mim. Vejo novamente quando ouço e novamente toco quando olho. Outra vez me ouço quando degusto. E novamente me alimento quando tudo se mistura nesse inesgotável recurso de meia-estação.”

Multiplicou-se com rebeldia e graça por todas as frações da luz – no colo do ar e do tempo, como as areias juvenis... fecundando-se indefinidamente em oceanos pautados por um eco outro, do outro lado. O lado de dentro.

Texto do livro "Entre as Águas" publicado em
Debaixo do Bulcão poezine nº 40
Almada, PT, dezembro de 2011
http://debaixodobulcao.blogspot.com/2012/03/como-sabes.html

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Interiores

INTERIORES

Tere Tavares


Resisto a tudo, menos à tentação. (Oscar Wilde)




Entre a qualidade e a natureza da própria construção, houve algum dia um céu para as minúsculas evidências, múltiplos destinos e harmonias entrelaçadas?

Percebe a tristeza gasta dos sapatos. É vago porque é vário, porque não é. Reencontra desconheceres que o presenciam. Tenta expor o que há nas falas da visão. Muito além do branco, em paz no próprio desassossego, abstrato. Não passa de tentativas de preenchimento. Um rumoroso enternecer corrompendo o silêncio atroz e doce, passos requeridos palidamente de uma pequena metrópole da alma. Tudo claro e iluminado. Tudo muito pacífico. Imenso. Onde as estrelas nunca mentem sua luz nem o pescador retorna sem o bulício solto das redes.

E os passos se redimem no extrato do estranho dono dos sapatos, do medo exausto de temer o gosto do estranho. Não ter seguidores talvez seja o melhor mérito. O intuito da negação que não se detém a falar de limites, de incongruências. Só de si. Dúbias. E que diante do subterfúgio, inaugura o prazer de pisar. Mas é o nome, apenas o próprio nome a melhor alegoria dos seus pés – E cadê o céu para revelar-lhe a fórmula indolor, o eu preciso de um talvez paulatinamente amadurado na insônia que não cansa?

O fio diluído do menino que voava ultrapassou as farpas. Fugindo sempre que possível de qualquer traço que lhe referisse uma imagem ilusória, improvável. A percepção deve estar diretamente ligada a uma carga elucidativa potencial para instaurar-se no campo da consciência. Temia, acima de tudo, o desconhecimento do objeto que a produzia. O solo não era um fantasma, nem a biologia um aparato tecnológico simplista. Fechou o laptop. Havia sussurros em todas as janelas. Não se deteria a fragmentar os estigmas do silêncio em outro idioma para meia dúzia de pessoas. O painel. O laboratório. A platéia irredutível dos tubos de ensaio. Experiências alegremente concentradas em teorias e teses. As moléculas e as células continuariam a vê-lo. Envelheceu pesquisando como se rejuvenesce. Uma borboleta diáfana e branca pousou em seus cabelos anelados. “Sou um doutor?”


Texto do livro "Entre as Águas".
Publicado também na SEXAGÉSIMA QUARTA LEVA da revista eletrônica DIVERSOS AFINS em 31.01.12. 
Foto da Autora
http://diversos-afins.blogspot.com/ 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Cascavel mostra sua Arte



Nesta sexta-feira (3), às 20 horas, será aberta a exposição “Cascavel mostra sua arte”, no MAC (Museu de Arte de Cascavel). A exposição é composta por telas, fotografias, esculturas e instalações produzidas por diversos artistas cascavelenses, assim os visitantes poderão observar os diferentes estilos, técnicas e poéticas dos participantes. As obras ficarão expostas até o dia 2 de março.

A intenção da Secretaria de Cultura é iniciar o ano de 2012 com uma grande exposição para mostrar o que Cascavel produz na área das artes plásticas. “Trata-se de uma exposição que irá agradar a todos os gostos, pois nela teremos desde as obras mais românticas até a arte mais contemporânea, todas produzidas por artistas cascavelenses”, comenta a secretária de Cultura, Judet Bilibio Haschich.

Para que a exposição fosse organizada, todos os artistas plásticos de Cascavel foram convidados a participar das inscrições no período de 5 de novembro a 20 de dezembro de 2011. “A exposição conta com a participação de 17 artistas e serão mais de 40 obras. Esperamos que essa variedade de trabalhos e estilos artísticos atraia a população de Cascavel”, destaca a coordenadora do MAC, Ana Lúcia Simão.

Para a artista Tere Tavares a exposição é uma ótima oportunidade para mostrar o trabalho de vários artistas de Cascavel. “Achei uma iniciativa muito boa, pois assim a população acaba conhecendo as várias vertentes artísticas da nossa cidade”, comenta. A artista Nani também ressalta a importância da exposição. “Essa é uma maneira de ressaltar a produção artística de Cascavel, isso contribui para que novos talentos surjam”.


Participam da exposição os seguintes artistas: Alexandre Schuck, Beth Araújo, Blanca da Paz Trevisan, César Ferreira, Claudius, Jayne Pochmann, Keila D’Lima, Loiri, Lyria Wolf, Malu Rebelato, Nani, Nelson Josefi, Nelson Sosa, Tere Tavares, Vera Simon, Yara Doro e Valdir Rodrigues.



Fonte: http://www.cascavel.pr.gov.br/noticia.php?id=20811 
Tela: "Um olhar sobre as flores" - Óleo sobre tela- 90x60- 2010. Tere Tavares

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Enfeitador de paredes


*Resignação... que triste palavra! E, no entanto, é o único refúgio que fica*. Beethoven


Escondeu a inspiração sobre a túnica – sua musa, impossível de expulsar, tampouco se fazia adormecer. Caaba (nunca conseguira descobrir o motivo de haver herdado esse nome) não era, em absoluto, alguém que almejasse atingir “a neutralidade serena imparcial e objetiva”. Tampouco abdicava dos reflexos do espírito mesmo que não cessassem de serem difíceis.

No seu insólito julgamento, o surreal seria sempre o que ultrapassava o real sem desprezá-lo. Podia viver bem em qualquer parte, uma vez que não exigia muito do mundo.

Estava quase sempre cercado de sorrisos de papel, de amigos invisíveis, alguns bons, outros nem tanto, e outros ainda irremediavelmente distantes. Deixava-se prender sem ligar-se a ninguém.

Em suas viagens inenarráveis refletia sobre como deveria exercitar o esquecimento. Com o tempo percebeu não haver mais nada a ser esquecido. Desenvolvera uma simpatia indiferente, uma gentileza polida. Nunca superficial, hesitante, ou com ausência de pensamento. No olhar lânguido e suave encerrava uma atormentada bondade. Não a compreendia completamente embora lhe parecesse clara.

Procurava guardar o melhor possível de suas experiências, mesmo adivinhando o precipício final em que mergulharia o fruto do que, com toda dedicação, criava para a humanidade. Ter um trabalho que socorresse a todos, eis o mais nobre, o mais fácil, útil, e saudável a se fazer. Para a maioria das pessoas o que sobra da arte resulta em futilidades e desperdício de energia.

Sou um mero enfeitador de paredes” disse para si mesmo tendo a exata sensação de que em breve, muito em breve, seria ainda mais abandonado.

Chegou ao pequeno cômodo – era quase o nu descendo a escada – removeu os elos dourados do seu sagrado retiro. Pincéis de olhares envelhecidos, bisnagas de tinta misturadas à preguiça dos estojos, óleo de linhaça, solvente, giz. Como lhe era agradável a desordem olente dos materiais que remexia sempre com demorado encantamento.

Alguns quadros inacabados pareciam vigiar-lhe os mínimos movimentos. O pó lamentava a mobilidade do instante. Na mente de Caaba saltitavam todos os esboços que, por uma anônima metafísica, ainda não pudera exprimir. A exposição. O dia e hora marcados. “Que massacre trabalhar sob encomenda. Quem me dera ter à mão algo como “os comedores de batatas”. Monologava movendo-se na engenhosa rudez das superfícies – as paredes sabiam implorar como ninguém.

Lançaria mão do improviso para preencher o que não era possível abandonar.

Imaginando os céus que não existem, perambulou entre dois últimos presentes brancos – como talvez fosse quando se obrigava involuntariamente à ausência das cores.

Caaba ressuscitou um pouco a decisão de continuar vivendo contando com o que era: a alegria dos raros, o trevo de quatro folhas frágeis, o enfeitador de paredes. Ninguém é mais capaz que uma estrela que baixe do espaço sem querer. Não soube como evitar as lágrimas. Beijou a dor, a antiga construtora de sonhos – suas obras: únicos seres no mundo a esperá-lo.

Do livro "Entre as Águas".
Texto publicado no Cronópios: http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=5258
Foto: da autora