sábado, 20 de novembro de 2010

Agre

A tarde orna-se de sombras. O frescor se desprende levemente de sob as árvores frias e vem morar na interrogação do meu rosto.

As horas caminham mornas pela rua dos mendigos, não apenas por ser a rua o único dormitório de que dispõem, mas, por representar o estado em que parecem viver ou sentir os nascedouros do infortúnio.

Nesse momento o sol quase fecha os olhos sobre a cidade e toda aquela vida. Corre entre as gentes um rio que agrega na mesma proporção que segrega. O egoísmo. O bandido. O legitimador de opções. O escravo. As construções disformes e elegantes esforçando-se para entender a desordem que advém da inexistência das coisas. Ninguém compreende as filosofias ministradas pelo odor da miséria.

As imensas procissões de letreiros especulam sobre quase tudo sem modificar a sensação de impotência. Inutilmente. A banalidade de haver visões e de haver ouvidos, não conseguem iluminar a geografia humana. Mas estão ali arrefecendo o aço escovado, as nódoas de néon, singrando o breu de sempre, incrivelmente igual.

As pessoas avaliam o meio mais seguro de não se tornarem totalmente infelizes. Talvez saibam que o desejo de ser feliz a qualquer custo traz invariavelmente o tão temível sofrimento.
Divagam entre a vitalidade e a capacidade que possui o intelecto de afastar a melancolia e transportar sensatez às minúsculas sensações de bem-estar infinitamente maiores do que qualquer abstração que possam comprar. É legítima a própria satyagraha – insistir pela verdade. Shanti. Talvez nada valha além desse intacto argumento.

Como súbitas batalhas o suor dos pensamentos escorre sobre esses estranhos destinos que me acompanham. De qualquer modo vale a pena deixar-me seduzir pelo que me retira de onde estou.

Com o tempo, sabe-se a abrangência e a nobreza de não subjugar-se ao vulgar, à falta de sutileza. A ansiedade se esfacela e o silêncio retorcido é uma doce tortura. O demais é a demora despindo o engano, a redenção de mais uma inerte alegria que nascerá – Shantihi.

Foto da autora- Ipê