sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Homem que brilhava


Andou para um lado e para outro. Seu entusiasmo não sabia se diria adeus à liberdade ou reconhecia onde estava. Ali o esperava o mar, aquele mar que podia contemplar por intermináveis momentos, e sempre mostraria algo diverso: uma concha, uma profundidade mais transparente, o rastro de uma nuvem, o rumo de outra corrente e as instantâneas ondulações espumando na margem. O som que ouvia assemelhava-se ao terno perfume de um presente recebido há muito tempo, bem distante.
Cada sensação era um tesouro inestimável, de uma euforia irreflexiva, como se pertencesse a um todo que imediatamente se desintegrasse. Onde acabaria alguém de alma demasiado sensível? “Aqui tens o coração de um homem”.

Não podia parar. Era para si mesmo um reflexo luminoso desprovido de qualquer significado. Olhava-se como a gaivota olha o cardume ou como o cardume olha o pássaro. Era um sondar repleto, de luz profunda, uma recompensa inolvidável do prazer de quem vê além do simples esforço das pupilas. Era-lhe irrefragável o sorriso, quase inocente, como quem soubesse ter guardados muitos mais para trazer aos lábios. Seguiu olhando ininterruptamente. Algo brilhava na areia limpa. A água morna molhava seus pés. Não recordava onde havia deixado a última lembrança, tampouco queria encontrá-la. Novamente percebeu o brilho na areia. Inclinou-se e recolheu o que lhe parecia ser um metal precioso. Já contava com algo. Fez uma pequena pausa. Em sua multidão de silêncios a voz do mar era o próprio corpo do mar que o domava e o refazia. Estendeu as mãos contra o sol. O brilho sumiu por entre os dedos. Consumiram-se os elos das coisas secretas.

Uma suave ironia marcou sua fronte persistente. Sorriu com a mesma bondade de antes. O mar agora era verde, brilhantemente verde e solitário. Com a cabeça inclinada caminhou como sabem caminhar os que não perdem jamais o que tanto se custa a conseguir ou não tem qualquer preocupação com as vis necessidades humanas – alimento, descanso ou amor.

Como se entrelaçado em incomensuráveis variantes e obviedades dirigiu-se ao indefinível com a doçura de quem só podia murmurar: “Aqui tens uma estrela mais intensa do que a minha”.
Tela: Rocha e Mar-TT

14 comentários:

Unknown disse...

Bom retorno, Tere!
Interessante texto, com diversas pistas para uma boa reflexão.
Abraços
Claudete Sulzbacher
www.poesia.topotesia.net

Salete Cardozo Cochinsky disse...

Querida tere
Estive afastada do PC por motivos diversos, mas não deixei de tê-la no coração, nas lembranças. Abri o Reunidos algumas vezes somente para ver quem estava postando textos mas não podia ler, quanto menos comentar.
Esse texto, reflete nu e cru tua sensibilidade. Está alí e torna-te presente.
Fiquei perplexa, pois é assim mesmo que me sinto diante do mar. Falando nisso estive os últimos 15 dias de janeiro numa praia da Ilha de Florianópolis. Primeira vez que desejei ficar mais tempo, mas o trabalho e outras exigências me chamavam.
Saudades, um grande e carinhoso abraço
Salete

JORDAS disse...

Gostei do seu texto, mas esse quadro com as cores do mar, deixaram-me parado de pasmo.
Muito bom

Ramosforest.Environment disse...

Tere,
O mar é misterioso, atraente, força necessária e poder assustador.
Este seu texto faz-me lembrar da personagem real Afonsina (Afonsina e o Mar) da literatura argentina.
O mar envolve, chama, é vida,é luz, é morte.
Abraços
Luiz Ramos

Carlos Ricardo Soares disse...

Tere,

o teu texto esmeradamente reflexivo e poético desvenda mais um pouco da misteriosa paixão que temos pelo mar.
A fronteira que nos separa do mar é bem mais ténue do que o fio que nos mantém presos à vida.
Beijo.

Ana Guimarães disse...

Quem brilha aqui, mais uma vez, é uma mulher: a autora do texto e da tela, ambos belíssimos, parabéns!
Beijos

Unknown disse...

"Mas os pássaros devem ousar. Desapegar-se de seus hábitos: o perfume da rosa, os Jardins do Éden. Sabem que o Simurg não se revela aos olhos. Sabem que o silêncio é o canto do Rei. Que se não houvera tal silêncio, seriam impossíveis os raios da aurora." Marco Lucchesi.

Foi este o trecho que saiu do lago da minha memória, mexida pelos silêncios, rochas, águas do seu texto. Minucioso, delicioso, murmurante. Quase pássaro. Beijos.

luís filipe pereira disse...

Belíssimo, estimada Tere Tavares, este texto em que se acende um homem que faz corpo com o mar: homem que principia os passos por dentro de um latejar azul em que o passado erodido se liquefaz e o coração devém estrela (direcção, sentido, rumo e rumor)marinha.
Com afecto e admiração,
luís filipe pereira

Tere Tavares disse...

Aos interlocutores que aqui me presentearam com suas leituras, meu sincero obrigada e especial carinho. Até breve.
Beijos

Madalena Barranco disse...

Ah, Tere... Você me emociona com o brilho da tua chama divina, reluzente em cada palavra. Obrigada, querida, por me trazer até seu blog para ler mais esta maravilha da alma humana. Muitos beijos.

Mel de Carvalho disse...

Tere,

obrigada por me mostrar este caminho, que vou guardar. Já conhecia e apreciava sobremaneira os seus trabalhos, que conhecia do Escritartes, e, agora, tomo de uma forma mais cabal, consciência da sua obra. Vou com a calma e o respeito que me merece, le e reler; voltarei, breve.

Um fraterno e forte abraço
Mel

Anônimo disse...

TEre

È incrível como você escreve de maneira a nos deixar boquiabertos. COmo se encantar com uma pintura em tela!!
Amo te ler!!

beijos

Solivan disse...

Oi Tere,
Vim ver suas palavras,visitar.

Seu amigo e confrade
Solivan

Tere Tavares disse...

Olá Madá, Mel, Rosemari, Sulivan;
agradeço a presença, enriquecedora.

Beijos