domingo, 24 de maio de 2009

A de aquários diversos

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Pelo jornalista Oniodi Gregolin


Não eram as palavras
que me recebiam naquela
tarde. Tinta e cor
me davam boas-vindas
quando comecei a subir
os degraus. Dois lances
de escada e já a vi me esperando
no topo. Não caminhei
com pressa, sendo
que tinha uma quantidade
grande de pinturas para
olhar naquele ambiente.
Passando para a sala, mais
obras me vigiavam. De certo
modo me intimidavam, por
serem maioria. Casarios, pessoas,
paisagens, tudo parecia
me observar. As palavras, meu
mote de procura, ainda não
haviam sido pronunciadas ou
escritas, somente a cor sobre o
tecido que permanecia arte até
iniciarmos nossa conversa.
Aquele decorrer de menos de
dois minutos entre o subir escadas
e o aconchegar-me no sofá
me levou a uma vertigem de pensamentos.
Coisa que só acontece
mesmo quando a arte, de um modo
geral, permite essa viagem por
anseios e suspiros quase poéticos.
Mario Llosa, escritor peruano, descreveu
esse momento de interrupção
temporária da vida como resultado
de uma obra literária: “O romance
A de aquár ios
diver sos
apazigua o momento
de inquietude e insatisfação,
e esse momento
de suspensão provisória
da vida é que nos afunda
a Ilusão literária”. Mas não
foi Llosa o mais mencionado
naquela tarde; nos lábios da
artista – Tere Tavares –, Schopenhauer
era recorrente.
E da pintura à literatura, Tere,
nova membro da ACL (Academia
Cascavelense de Letras), deixou-se e
me levou a suspender a mente num
momento de conversa. “Eu entrei na
academia por meio de um convite de
uma acadêmica. Comecei a participar
das reuniões e logo fui admitida como associada
especial”. Por quase três anos, Tere
foi apenas associada à academia dos letrados
de Cascavel. Numa cerimônia na semana
passada, ela passou a ocupar uma cadeira defi
nitiva entre os membros. “Sempre esperamos
por algo assim, entretanto, até que não se confi
rme, sempre é uma surpresa”. Seguindo todos
os requintes que uma cerimônia desse porte exige,
Tere recebeu a toga verde e dourada que lhe caiu
sobre os ombros. Estava consentida.
A pintura e a literatura, nas quais é autodidata, dividem
a criatividade da artista. Os pincéis e a palavra são as duas paixões.

“Eu primeiro amei a pintura, depois, como prelúdio dos tempos do antigo
ginásio, a poesia, mas me realizo com as duas.
As artes dialogam entre si e todos os artistas sempre
se expressam por mais de uma delas”.
“É possível, hoje, viver de arte?”. “Não, mas como dizia Rainer
Maria Rilke, os artistas devem antes se garantir com alguma
renda para não fazer da arte uma forma de comércio,
podendo apenas se preocupar com o prazer de fazê-la”.
Por formação, a artista é economista e, já aposentada
do serviço público, faz de Cascavel o reduto das duas
manifestações artísticas que produz. “Não existe lugar
certo para produzir arte. Existe apenas o lugar
em que nos sentimos bem para isso. Hoje, aqui na
cidade, está havendo um bom crescimento no espaço
da cultura e isso é bastante positivo”.
Como amadurecimento da vertente literária
que deixou reaquecer, Tere publicou os primeiros
textos em antologias com outros poetas
no ano de 2002. A partir destas primeiras publicações,
surgiu em 2004 a primeira obra literária
solo da escritora: Flor Essência (Editora
Coluna do Saber, 2004). Também
composta por poemas, a obra permeia
o feminino e a natureza. Sobre aconchegar
um poema no papel, a autora
fala de inquietudes e solidão. “A poesia
surge pela necessidade de se expressar
e é isso que nos move até
ela. É como um chamamento em
momentos não muito alegres
e outros de solidão. Naqueles
momentos que sentimos que
precisamos dizer algo”.
Com uma experiência já
vivaz, em 2008 a autora
lançou a última obra,
Meus Outros (Editora Coluna do Saber, 2007). A
composição desta última manifestação literária
não saiu sem as diversas revisões da autora.
“Sempre há alguns textos que deixamos de fora.
Há ainda aqueles que modifi camos. Clarice Lispector
já dizia que depois de publicada a obra
ela não punha mais os olhos, razão tinha ela,
pois sempre queremos modifi car algumas coisas.
Outra coisa que acontece é quando olho
algum escrito antigo e penso: como pude escrever
isso? Mas não é porque é ruim, cada
dia vamos nos aperfeiçoando e exigindo
mais de nós mesmos. Schopenhauer dizia
que uma coisa é nascer com talento, outra é
a técnica para aprimorar esse dom”.
Não conheço a primeira obra da autora,
mas além da técnica da escrita, que se adquire
com sutilezas do praticar, a principal característica
de Meus Outros é a sinceridade
das palavras que se colocam para expressar.
Seguramente, pelo que conversamos, uma
obra avante é sempre um avanço. Resumiria
esse livro com um verso que extraí dele
no poema A verdadeira compreensão do
vazio: “E este sal derramado serve de
alento a alguém muito doce”.
Nossa conversa já discorria como se
fôssemos amigos de longa data. Como
lembrança daquela tarde, uma exemplar
de Meus Outros ela me presenteou.
E na dedicatória o oferecimento
de “algo das almas que trafegam
em esferas inaudíveis, porém perceptíveis”.
Ainda não pude degustar
com goles trôpegos todos os poemas
de Tere, mas o simples molhar
de lábios que tive com alguns deles
já instigou a vontade descontrolada
de me embriagar. Melhor seria
se os poemas fossem o vício da
carne; é minha alma, entretanto,
que transborda pelas reminiscências
que emergiram com
os Outros de Tere Tavares.
Como ela própria já se
disse: “seguramente,
sou de aquários diversos.

Publicado no caderno "Gazeta ALT" do Jornal Gazeta do Paraná, edição 66 de 24.05.09
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