quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Nasce "Meus Outros"

Nasce “Meus Outros”

Foram longas contexturas, entre noites prorrogadas, madrugadas
insistentes, dias multiplicados, prosas e versos escritos nos últimos
quatro anos, que me tornaram capaz do término (finalmente!) de uma nova recolha.

“Meus Outros” chega no final de dezembro, a tempo de refletir junto à taça
de vivas e convivas a essência de um processo de trabalhosa criação, mas,
e sobretudo, do indefinível prazer de concretizar.
Custa-me um pouco narrar cada detalhe desta constelação
de acontecimentos – é sempre nas ocasiões importantes que me torno
quase irremediavelmente estéril de palavras – todavia, tomem estas
poucas linhas como se possíveis de em inúmeras mais se transformarem.

Esta obra, com prefácio do poeta, professor e músico Renato Torres,
e texto de apresentação da poetisa Luísa Ribas, amigos a quem
redobro agradecimentos, entrega-se ao mundo.

Do mais profundo, desejo que “Meus Outros” bem caminhe!

Eis o poema da contracapa:

Desce o instante que viaja adormecido,
o crivo de algo que faz com que haja o belo,
a frase de cima e debaixo,
como o azul de uma intensa estrela diurna.

Evoco a herança de Ulisses.
Só o níveo sorriso no semblante
descalço de mundo,
do mundo em si
e de si mesmo no mundo.

Ressonâncias da mesma natureza pequenina,
na busca errante de não ofuscar o sentido da arte
de ser – arquiteturas que desocupam o pensamento
e preenchem a alma como a brisa cálida
e brilhante – amplitudes de supremos pomos,
realidades que suponho de milagre e sonho.

Tere Tavares

sábado, 22 de dezembro de 2007

Luas

Luas



tenho duas luas

sorrindo

sob a blusa



gêmeas & macias

cabem nas mãos tuas

as minhas duas luas

redondas e nuas



mordaças

bailarinas

minhas luas

travessas

meninas

levam-te

até que respires

o sossego do sono

Poema do livro "Flor Essencia"(2004)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Sem pena de ter

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) através de sua Gerência de Eventos e Cursos promove desde o início dos anos 90 uma iniciativa cultural importantíssima para o Brasil. Trata-se do "Banco de Talentos", que identifica e valoriza os bancários que desenvolvem habilidades artísticas. O evento seleciona os trabalhos dos funcionários de bancos de todo o Brasil para participação em mostras e shows, em edições de livros, em calendários artísticos em CDs e DVDs. Os trabalhos contemplados são expostos em galerias de arte, bibliotecas, escolas de artes e disponibilizados para companhias públicas e privadas que investem em atividades culturais, assim como a autoridades e lideranças empresariais. Cumprindo ciclos bienais de caráter permanente, nos anos ímpares são tradicionalmente pesquisadas as categorias Artesanato, Canto Coral, Escultura, Literatura e Teatro. A cada ano são recebidas milhares de inscrições, de mais de 150 municípios de todos os estados brasileiros.

Na edição de 2007, na categoria Literatura-contos, a comissão julgadora foi composta por Caio Porfírio de Castro Carneiro, Hersch Basbaum e Rosani Abou Adal. Dentre os contemplados figuro com o conto “Sem pena de ter”, que foi escolhido unanimente pelos jurados como principal destaque; consta na exposição festiva (gravada em DVD) que aconteceu em 12 de novembro de 2007 no Citibank Hall, em São Paulo e na antologia do Banco de Talentos Febraban 2007. Eis:

Sem pena de ter

A Igreja tinha um cheiro de antiguidades. Um balcão repleto de livros cobertos de pó obstruía o corredor. Algumas abelhas se distraiam pousando em velhas imagens que rodeavam as paredes. O rapaz passou as mãos de leve nos pés quebrados de um Santo Antonio. Uma lástima deparar-se com tudo naquele estado. Ele também tocou os bancos de jacarandá. Sentou-se.
Tanta atenção lhe despertava o lugar que quase esquecia o que o levara até ali. A moça da rua de ontem. Como não atender-lhe as dúvidas, esquecer-lhe o tom suplicante?
Daria cabo do seu egoísmo cumprindo a promessa. Antes rezaria pelos mortos com a mesma devoção que o faria para os vivos. Pediria pelo fim da angústia dita esperar, da enfermidade nominada crer, e tudo o mais que lembrasse as tristes ilusões do mundo. Pediria perdão pelo que pedisse e pelo que pensasse.

Naquela manhã de Maio morrera a morte do seu olhar na moça da rua de ontem. O assíduo assédio daquela alma se estendia sobre o silêncio daquele cenário gasto. A manhã de Maio era ali, com ele, ajoelhado, mentindo qualquer escrúpulo, revelando ocos de fora e de dentro. O resto era medo que o deixava na margem lúcida de próximas águas. O repasto, a moça da rua de ontem.

Vestia a viva ânsia de sair o mais depressa dali e levar-lhe o que a cobriria como a uma rainha. A sua. A imagem de ouro de Santa Rita. Um pé na escadaria e outro na rua. Voltou. Queria também os livros para salvar o amor no amanhecer e no poente.

Tere Tavares
Publicado também no Portal Literário "Ver-o-Poema":

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Recolher-se ao que é mais e é tanto.

Recolher-se ao que é mais e é tanto.

À grandeza de não ousar medir, à caça de encontrar-se, continuamente, submerso ou à tona, onde fosse possível pousar os sentidos ou brilhar ao lado de outro lado, como desesperanças que ainda esperam – lendo-as inerentes a sua forma de ver o mundo – ele prosseguia olhando o campo de margaridas ao seu redor, tentando comunicar-se com elas. Nenhuma lhe respondia. Ele fingia não perceber. Chamava-as pelo nome – cada uma tinha o seu – continuavam a não responder. Era como beber uma segunda impressão tão absurdamente vívida à sabedoria dos seus olhos, que sua intenção se abrandava numa linguagem breve e noturna.

Investigou o silêncio das margaridas. Algo acontecia enquanto ele derramava palavras sobre os seus mantos brancos. Os verdes ficavam mais verdes, como se ocupados de uma tintura especial de gotas finíssimas e de quase imperceptível distância. Demonstravam uma indisfarçável inquietação diante de seu estado próprio de mistério. Mas, ao incauto, porém não de todo distraído caminhante, apresentavam-se indubitavelmente serenas.

Um dia escondeu-se no meio delas. E pode, finalmente, ouvi-las: “Ele não veio hoje”.“Que pena”. “Ele é da menina colméia humana, e as pessoas jamais se curam do que as deixa suficientemente grandes para crer, e crer é no mínimo a metade do caminho”. “E se quisermos não ser mais o líquen velado a guardar seus murmúrios?” “Poderíamos pedir-lhe para voltar, em uníssono”. Calaram-se sem vê-lo – pareciam uma tela de Monet. Mostrou-se. Calaram-se por vê-lo – eram aparentemente indiferentes à sua presença.

Ele estava consciente, por fim, que a existência de tudo continuaria apesar da sua, que os matizes inaudíveis das senhoras do mal-me-quer e do bem-me-quer se multiplicariam quer ele despendesse atenções ou não. Enquanto se propunha a abandonar o não-essencial, as impressões, ora reais ora sonhadoras daquele pequeno lugar, reconstruía a necessidade de continuar em busca de algo intrépido, diverso do que julgava comum, mas que fosse indefinidamente repleto do prazer contido na alegria e na dor de relembrar, em cada momento vivido, o deslumbramento de uma certeza que remoçasse em outra dúvida. Prosseguia singularmente resoluto. E de cada sulco do caminho que o ignorava resplandecia um sólido assobio: “Apenas quem está em tremenda confiança tem na coragem a suficiência de não deter as lágrimas”.

Texto registrado no EDA
Fundação Biblioteca Nacional


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Santo Anjo do Senhor


Quando meus olhos
não vêem mais nada
senão o sono que os acalma
então são só meus
os meus olhos
a descansar
sob as faces do mundo
e eu sou
toda uma oração
da noite me guardando.

Poema do Livro "Flor Essência"-
Tere Tavares

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Poema

Sou o que não permanece

as coisas que digo
não me dizem
já as que calo me contam
e as que contam de mim não sou eu
e se dizem e é verdade
em seguida é mentira
porque já terei sido antes
o que agora não sou mais
penso ser aquilo que faço
e o que deixo de fazer
é algo meu que não nasce

Poema do Livro "Flor Essência-
Tere Tavares"

domingo, 8 de julho de 2007

Ciclo

CICLO
a abelha chegou

bebeu o néctar da flor de limoeiro
vestiu-se de mel


o pássaro chegou

pousou no galho em meio aos espinhos

vestiu-se de ninho

o homem chegou

alheio a todos os gemidos

vestiu-se de mel

vestiu-se de ninho

vestiu-se de limoeiro
Foto: Beija-flor, TT

domingo, 24 de junho de 2007

Olhos de Mar

Peço-te:
nunca me prives do mar de ternura
que banha teu olhar
e manso umedece o meu
a não ser
para beijar-me
e ondularmos juntos.

Vazio de não Star

Desenrolar o viço deitado no dorso e dizer-lhe sobre isso antes que escureça. O preceito que traz por dentro a fantasia sábia, o farfalhar calado num pedestal – pequenos e ingênuos vincos – seus pueris pensamentos, completar alguma coisa, tornado-a inteira, perfeita ou imperfeita, porém, tão preciosa quanto encontrar novamente o delicioso esplendor das transparências, de ser-lhe mais uma dançarina.

domingo, 17 de junho de 2007

Simbologias do Eu

Quando sinto a superfície corroer-me
Corro às raízes
Da árvore.

Quando o vento ameaça arrastar-me
Colo-me ao caule
Da árvore.

Quando tudo está obscuro
Subo e repouso a asfixia no lume dos galhos
Da árvore.

E, quando tudo é fechado e fixo
Afasto os invólucros na fragrância das flores
Da árvore.

E, quando me parece tudo tão igual e insípido
Eis que me é ofertada a polpa e a doçura dos frutos
Da árvore.

E, quando errônea ou sábia julgo perdido ânimo
Tenho nova semente
Da árvore.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Talvez por que eu não tenha aprendido a ser só

Enclausuro-me acabrunhada
quando me pega aquela sensação de desamparo.
E, fico assim por senti-la
e, sinto-a mais por lembrar-me
de como a senti
pela primeira vez,
e, mais ainda sinto-a
por temer que possa não ser a última.

Reparo no tanto de mãos desocupadas
desfilando a meu lado.
Nenhuma se me estende,
e se...aceitar?

Sigo só
mas não de todo,
tenho meu olhar e meus ouvidos
para me distrair.

A mente apressada conserta-me:
“há sempre anjos a teu lado”.
Abrando-me,
conforto-me de estar bem
e poder continuar a caminho de casa.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Então Seria, Eu

O ar cheio de esplendor,
o bem-estar, um outro par de reis magos ou
um dia feliz de trabalho – normal, em pleno final de noite
entre plumas e amizades – a bem-aventurança
como parte de um todo, reconhecida na paisagem.

Sim, este grande dia se faz assim, azul e permeável,
como um pequeno arbusto, um rio calmo
que reflete humildemente as realidades túrgidas
da sua investida matinal,
como ali onde já sumira boa parte do que pudera engendrar.

Um augúrio orquestrado na rota de um pássaro migratório.